segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Segurança nos postos de trabalho

O subsídio de desemprego poderá ser substituído com vantagem por garantia de emprego em empresas de emprego social

António Bica

O subsídio de desemprego foi criado pelos países capitalistas depois da grande crise económica de 1929/1930. A Revolução Russa de 1917, que havia instituido o princípio de trabalho garantido para todos, obrigou os países capitalistas a responder ao massivo desemprego criado por essa grande crise económica com o pagamento aos desempregados de subsídio que os não deixasse cair na fome com risco de os levar a subverter o regime.

 Foi então medida combatida pelos capitalistas mais liberais que consideravam (e consideram hoje) que o mercado tudo soluciona pelo melhor. Desde então o sistema (capitalista) apercebeu-se de que não privar os desempregados totalmente de rendimentos lhe era útil:

 Evitava a eclosão de protestos e revoltas sociais, com risco de a grande burguesia perder o poder, e as suas empresas beneficiavam da manutenção da procura dos bens que produziam, que, se os trabalhadores desempregados deixassem de receber rendimentos, a procura sofreria grande redução com prejuízo para as empresas e o sistema económico.


O actual governo, no âmbito do Plano Nacional de Prevenção e Combate a Fraude e à Evasão Fiscal, intensificou a fiscalização das situações de desemprego com pagamento de subsídio. Segundo informação pública de há algum tempo, verificou-se haver 85.192 pessoas a receber irregularmente fundo de desemprego com prejuízo para as finanças públicas (alimentadas pelos impostos e contribuições dos cidadãos) de 62.100.000 de euros.
Estas situações de fraude ou de tentativas de fraude são inevitáveis sempre que, como
 no caso do subsídio de desemprego, se faz o pagamento a alguém sem se  lhe exigir  contraprestação.
Para evitar isso os mais avisados defendem que na organização das sociedades se devem criar automatismos que obstem a que alguém capaz de trabalhar receba rendimentos substitutivos dos de trabalho se não contribuir com actividade pessoal útil à sociedade em que se integra. Por essa razão entendem que o subsídio de desemprego, porque estimula a fraude não exigindo de quem o recebe contraprestação de trabalho, deve ser substituído por garantia de trabalho em empresas de trabalho de âmbito municipal recebendo salário um pouco menor do que a média recebida na sua profissão para o estimular ao regresso ao mercado de trabalho.
 Os desempregados, que quiserem continuar a trabalhar, terão direito, em primeiro lugar, a melhorar com aproveitamento a sua formação profissional e, em segundo lugar, a desenvolver actividades não lucrativas  de interesse social, como   apoio às associações não lucrativas, nomeadamente de fins culturais, desportivos, ambientais e humanitários e às iniciativas públicas com fins sociais organizadas por entidades públicas, em especial freguesias e municípios.  

A generalidade das pessoas capazes de ser activas  e viver do seu trabalho trabalha para outros, muitos em pequenas empresas pessoais ou familiares. Esses estão sempre preocupados com o futuro:
 Podem ser despedidos sendo invocada justa causa ou a empresa pode fechar. Se assim for, podem socorrer-se do Fundo de Desemprego, mas esta garantia é temporária e pode acabar antes de encontrarem novo trabalho.

Esta insegurança é fortemente destabilizadora da vida e do equilíbrio psicológico do desempregado e potencialmente perturbadora do normal funcionamento da economia: Se um trabalhador está a fazer despesa significativa com o estudo dos filhos, a pagar a prestação da compra da casa ou de outros bens e cair no desemprego por tempo prolongado, pode o filho ficar impossibilitado de concluir os estudos e as empresas credoras sem receber as prestações que têm a receber, com as consequentes acções judiciais e perda dos bens adquiridos a crédito.

Nos casos em que os trabalhadores desempregados têm 50 anos ou mais de idade, as consequências podem ser mais dramáticas, porque não é fácil, com essa idade, encontrar novo posto de trabalho.

Para que não aconteçam estas situações dramáticas, as organizações de trabalhadores querem, com razão, que, por via legal, se dificulte drasticamente o despedimento.
 Os patrões, pelo contrário, reclamam liberdade de despedimento, invocando a  necessidade de adaptar permanentemente a empresa ao mercado e à sua constante evolução.  Argumentam os patrões que os constrangimentos à liberdade de contratar a força de trabalho, que em cada momento precisam, dificultam o desenvolvimento económico e consequentemente o progresso.

Recentemente tem vindo a ser insistentemente publicitada pelos meios de comunicação social a liberalização dos despedimentos com melhoramento das condições de atribuição do subsídio de desemprego. É mais uma medida que as  “elites dirigentes” importaram do estrangeiro, que, por ter sido talvez pensada para outra realidade social e económica, não será a mais ajustada às condições sociais e económicas portuguesas, em primeiro lugar porque o subsídio de desemprego, garantindo embora ao desempregado um mínimo de rendimento, não lhe proporciona a integração social que a sua actividade produtiva lhe dava, em segundo lugar porque, havendo necessidade de se desenvolver actividades necessárias nas áreas da cultura, ambiental, desportiva, do apoio social e outras, nem a acção privada nem a pública lhes dão suficiente resposta.

Em Portugal, onde há tanto para fazer, não há razão para que haja cidadãos a receber subsídio de desemprego sem trabalhar.

Quanto à permanente e inevitável contradição, sempre potencialmente conflitual, entre quem trabalha por conta de outro e os empregadores  (patrões), a solução de criação de empresas locais de emprego garantindo aos desempregados, sem sujeição a prazo, actividade socialmente útil, acabando assim com o drama que é verem os desempregados correr o tempo durante que têm direito ao subsídio de desemprego sem conseguirem novo posto de trabalho,  pode ser a forma mais humana (para os desempregados) e socialmente útil (para a colectividade) de, com menor prejuízo para os desempregados e para o colectivo nacional, diminuir para os patrões as restrições à liberdade de contratar a força de trabalho que considerarem melhor se ajustar à sua empresa, sem necessidade de revogar a norma constitucional que proíbe o  despedimento sem justa causa.

Têm sido, em alguns meios, sobre este assunto, avançadas propostas de ponderar. No essencial consistem em admitir-se que os patrões despeçam os seus trabalhadores, invocando razões económicas, desde que os indemnizem com pelo menos um mês de salário por cada ano de trabalho. Devendo, no caso de se não verificarem as razões invocadas, a indemnização ser agravada para número maior de meses por cada ano de trabalho.
Considera-se que aos trabalhadores assim despedidos, em vez de subsídio de desemprego, deve ser reconhecido o direito a trabalhar, querendo, em empresa de emprego social  na área do município da residência, pagando-lhes o salário ajustado à média do anterior durante certo período de tempo, com alguma redução para incentivar a procura de novo emprego no mercado de trabalho.

Na empresa de emprego social o trabalhador desempregado poderá trabalhar no  apoio a associações com actividades relevantes nas áreas culturais, sociais, desportivas, ambientais e outras e a autarquias e, prioritariamente, fazer cursos de reciclagem, formação e aperfeiçoamento profissional para mais facilmente poder reinserir-se no mercado do trabalho. Para essas empresas de emprego social poderiam ser destinados os meios actualmente afectos ao pagamento dos subsídios de desemprego, além dos mais necessários.

Esta solução é de ponderar e teria a vantagem de eliminar fraudes na atribuição de subsídios de desemprego, manter em actividade as pessoas que querem trabalhar, dando-lhe ocupação socialmente útil sem  concorrência no mercado do trabalho, e, o  que é importante, resolveria melhor a contradição entre os patrões que querem maior liberdade para contratar a força de trabalho de que consideram precisar e os trabalhadores que legitimamente querem segurança no seu direito a trabalhar e ser pagos pelo seu trabalho.

Às chamadas “elites dirigentes”, em Portugal, falta  coragem para criticar com autonomia de pensamento e espírito criador as receitas que chegam de fora pensadas para realidades que não são as nossas. Parece faltar-lhes a consciência de que a nossa cabeça não vale mais do que a dos outros, mas também não vale menos. O que os outros são capazes de fazer e alcançar nós também somos se formos determinados e nos esforçarmos.

 É velha questão que vem de muitos séculos, se institucionalizou na escolástica medieval e continua, sob outras formas, a mal  formatar a cultura técnica e universitária em Portugal.

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