segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A crise de financiamento em Portugal

A crise de financiamento  em Portugal e em outros países
                                               António Bica


A crise económica de 2008 gerada pela crise financeira de 2007 decorrente da desregulação da actividade bancária imposta pelos governos neo-liberais norte-americanos e da sequente venda em todo o mundo de títulos financeiros especulativos,  por isso incobráveis,  levou ao sobre-endividamento da generalidade dos países, que, para evitar o aprofundamento da crise,  tiveram que financiar muitos bancos  e outras empresas cuja falência levaria a que muitas outras fossem arrastadas para igual destino.
Os governos não podiam deixar de assim agir,  que, se o não fizessem, o desemprego  criado pela crise seria muito maior.
A consequência foi o forte agravamento do défice  dos orçamentos de muitos países.
As economias capitalistas convivem bem com orçamentos públicos deficitários e precisam deles para que haja sempre subida do preço dos bens. Esperando-se que os bens transaccionáveis subam de preço, quem precisa dos bens, ou espera precisar a prazo curto, apressa-se a comprá-los, procurando evitar adquiri-los a preço superior ao que poderá ter em futuro próximo, o que, fazendo aumentar a procura, estimula a produção, o investimento e o emprego.
Pelo contrário, se se esperar a curto prazo descida do preço dos bens que se querem comprar, quem deles precisa tende a adiar o mais que puder a sua compra, esperando vir a comprá-los a preço mais reduzido.  Isso faz diminuir a procura e desacelerar a produção e  o investimento.
Por estas razões os orçamentos públicos dos países capitalistas  tendem a ser deficitários para que, aumentando-se a despesa pública, os cidadãos e as empresas disponham de maior poder de compra, o que leva a maior procura e a consequente subida dos preços dos bens transaccionáveis.
Mas a subida dos preços não convém que seja excessiva, que, se for, tende a levar a  actividades especulativas com açambarcamento de bens e consequente desregulação do funcionamento do mercado.
Os países que têm banco central emissor de moeda, quando o seu governo aprova e executa orçamento público deficitário, pode emitir moeda para lhe fornecer os meios de pagamento correspondentes.  Na União Europeia os  países que aderiram ao EURO deixaram de ter banco central com funções de emissão de moeda. O único banco emissor de EUROS é o Banco Central Europeu, que, por norma, não financia os défices dos orçamentos públicos.  Por isso, os défices orçamentais desses países têm que ser cobertos apenas com empréstimos junto dos bancos  e outras entidades financeiras nacionais ou de outros países.
Por outro lado os órgãos centrais da União Europeia impõem aos países que a integram  que não  prevejam nos seus orçamentos públicos défice superior a três por cento do seu produto interno bruto, isto é do valor da produção de bens no país durante um ano, procurando assim manter a subida média anual dos preços dos bens em não mais que dois por cento, estimulando a procura de bens, mas evitando  o desencadear de actividades especulativas.
A resposta à crise económica de 2008 levou a generalidade dos países da União Europeia, nos seus orçamentos públicos de 2009, a ultrapassar muito o défice imposto pelos órgãos centrais da União, com aquiescência deles, em consequência do grande aumento das despesas públicas necessárias para combater a crise económica.
Mas logo em 2010 a União Europeia impôs aos países que a integram o rápido regresso à regra de os orçamentos públicos anuais não ultrapassarem  3% do produto interno bruto.
Como o Banco Central Europeu não financia, em regra, os défices dos orçamentos públicos, sendo necessário  que o financiamento seja feito nos mercados financeiros, os países mais pequenos ou com economias mais frágeis têm vindo a ser vítimas da especulação do  sistema financeiro (os bancos e  outras entidades semelhantes), os mesmos que em grande número foram salvos da falência pelas medidas públicas que levaram ao forte aumento dos défices orçamentais públicos, sistema que tem estado a exigir aos governos desses países taxas de juro especulativas, no que está a ser apoiado pelas chamadas agências de notação financeira, quase todas norte-americanas e algumas inglesas, as mesmas que, ao serviço objectivo, se não intencional, das actividades especulativas, classificaram como de máxima confiança os títulos de crédito (mortagage backed securities)  de características fraudulentas que foram vendidos em todo o mundo no valor de milhões de milhões pelo sistema financeiro norte-americano e com isso originaram a crise financeira de 2007 de que decorreu a crise económica de 2008 que persiste.
A adequada solução para se evitar o ataque especulativo aos países mais pequenos e com economias mais frágeis da União Europeia, especialmente os que têm por moeda o EURO,  por não terem banco central emissor de moeda, seria o financiamento dos défices dos seus orçamentos públicos por compra directa dos correspondentes títulos de dívida pública pelo Banco Central Europeu, que só excepcionalmente o tem vindo a fazer, mesmo no mercado financeiro de títulos já comprados por outras entidades  (o que se designa por mercado secundário).
Como se sabe o Banco Central Europeu tem, desde o início da crise económica,  emprestado dinheiro aos bancos ao juro anual de 1%. Apesar disso os mesmos bancos  têm estado a exigir especulativamente  juros cada vez maiores, cerca de 7% e mesmo mais, para comprar títulos de dívida pública dos países mais pequenos e de economias mais frágeis.
Parece que finalmente, em 2 de Dezembro de 2010, o Banco Central Europeu tomou a medida adequada, decidindo comprar títulos de dívida pública emitidos para financiar os défices dos orçamentos públicos, quer directamente, quer, nos mercados financeiros, os títulos detidos  pelos bancos, talvez convencida, como o prémio Nobel de economia, Paul Krugman, de que deixar punir as populações doa países vítimas dessa especulação é erro e grave crime.
Há que aguardar para  ver se esta acção se mantém por prazo suficiente, que a Alemanha, sendo o país cujos bancos sãos os maiores detentores na Europa de riqueza financeira, não parece estar interessada em, com essa acção do Banco Central Europeu, contribuir para a perda de valor dessa riqueza em consequência de desvalorização monetária decorrente de emissão de EUROS pelo Banco Central Europeu necessários à compra desses títulos.
 Por outro lado, sendo os bancos alemães os que maior capacidade têm para especular com a compra de títulos de dívida pública emitidos para cobrir  défices dos orçamentos públicos, não deixa de convir à Alemanha que a correspondente acumulação especulativa de riqueza seja feita por bancos seus.
Esta recente decisão do Banco Central Europeu talvez se deva a melhor ponderação, também por parte da Alemanha, de que não lhe convém o enfraquecimento dos países da zona euro nem da União Europeia. Se assim for é de admitir que a medida tomada pelo Banco Central Europeu não seja meramente conjuntural.

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