segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A religião islâmica e a política global hoje

A religião islâmica e a política global hoje


António Bica

Os Estados Unidos da América do Norte (EUAN) tornaram-se, durante o século 20, a maior potência mundial. Com a Primeira Grande Guerra (1914-1918) ganharam supremacia em relação à Inglaterra e à França. Com a Segunda Grande Guerra (1939-1945) afirmaram o domínio na Europa, com excepção da União Soviética.
Com a posterior desagregação da União Soviética por apodrecimento interno na década de 1980 deixaram os EUAN de ter quem se oponham de modo eficaz aos seus interesses. Durante a chamada guerra fria entre os EUAN e a União Soviética, os EUAN usaram o fundamentalismo religioso seguido na monarquia da Arábia Saudita, que protegem e dominam, para o opor aos nascentes movimentos laicos e progressistas nos países islâmicos.
O governo dos EUAN substituiu no Médio Oriente, depois do fim da Segunda Grande Guerra, o domínio imperial da Inglaterra. Interessava-lhe dominar os governos da região para controlar o petróleo e proteger os judeus instalados na Palestina ao abrigo da Declaração Balfour. Apoiou para isso os regimes conservadores autocráticos do Egipto, da Líbia, do Iraque, da Jordânia, da Arábia, dos Emiratos.
No Irão de monarquia constitucional, em 1953, depois de o progressista Mossadegue ter ganho as eleições legislativas, os norte americanos, com colaboração inglesa, conspiraram e agiram para derrubar o governo então eleito e entregar o poder político ao rei que passou, sob controle norte americano, a governar despoticamente o país até ao fim da década de 1970.
No Egipto o movimento de jovens militares laicos e progressistas derrubou, no início da década de 1950, a monarquia e fez, com Nasser, a reforma agrária, nacionalizou o Canal do Suez, defendeu o nacionalismo árabe e propôs-se apoiar o povo da Palestina expulso das suas terras pelos judeus e o Estado de Israel.
No Iraque o partido Baas seguiu o exemplo dos jovens militares egípcios, derrubando a monarquia instalada pelos ingleses depois da derrota dos turcos na Primeira Grande Guerra.
Na Líbia também um movimento de jovens militares, seguindo o exemplo egípcio, derrubou a monarquia.
Os governos norte americanos ficaram preocupados com o reforçar da frente árabe contra o estado de Israel, que entretanto, em 1948, se havia constituído, e as reivindicações dos novos governos progressistas e laicos que defendiam que os recursos nacionais, incluindo o Canal de Suez e o petróleo, fossem usados para desenvolver a riqueza nacional, a educação e a promoção da igualdade, incluindo das mulheres.
O governo norte americano sentiu ameaçados pelos regimes políticos progressistas árabes o que qualificava como seus interesses no Médio Oriente. E o regime monárquico autocrático e medieval da Arábia temeu ser derrubado. Ambos os governos se coligaram para combater os regimes que o nacionalismo progressista e laico árabe fez nascer no Médio Oriente a partir do inicio da década de 1950.
O combate foi organizado com base ideológica na corrente religiosa fundamentalista wahabita, que é a seguida no reino da Arábia, com direcção estratégica dos EUAN e apoio financeiro do reino da Arábia. Milhares de milhões de dólares foram mandados, sob orientação dos EUAN, pelo reino da Arábia, acompanhados de pregadores wahabitas do reino da Arábia, para os países árabes com regimes laicos progressistas.
Esses pregadores usaram o dinheiro para organizar, sob capa religiosa, as camadas sociais mais pobres e fanatizá-las contra o laicismo dos regimes dos seus países. Assim nasceram e se desenvolveram, desde o início da década de 1950, os movimentos político-religiosos fundamentalistas no Egipto (Irmãos Muçulmanos), no Iraque, na Síria, na Líbia e na Argélia, inspirados na corrente religiosa wahabita. Em recente entrevista ao jornal “Público” (15/2/2006) o perito em assuntos muçulmanos Barrie Wharton, que integra o Centro de Estudos Europeus da Universidade de Limerick (Irlanda) afirmou: «Muito importante é (conhecer-se) quem controla as mesquitas (nas cidades da Europa). Muitas são pagas pela Arábia Saudita. Muitos imãs (pregadores nas mesquitas) foram originalmente financiados pelo reino saudita.» O imã da mesquita londrina de Finsbury Park. Abu Haanza al-Masri, originário da Arábia Saudita, que perdeu um olho e as duas mãos no Afeganistão a lutar com apoio e financiamento dos EUAN, foi recentemente condenado na Inglaterra a sete anos de prisão por incitamento a assassínio e ao ódio.
Quando, na monarquia constitucional do Afeganistão, na década de 1970, os partidos progressistas, entre eles o Partido Comunista, ganharam as eleições, os Estados Unidos da América do Norte e o reino da Arábia enviaram dinheiro e pregadores wahabitas para combater o novo governo. À instabilidade política que assim foi criada respondeu o governo afegão, em que o Partido Comunista tinha grande peso, com pedido de apoio militar à União Soviética, que não teve o senso político de o não prestar senão com armamento.
A entrada militar soviética no Afeganistão levou os EUAN e o reino da Arábia a recrutar jovens fundamentalistas religiosos nos países árabes e muçulmanos, onde haviam criado organizações político-religiosas de oposição aos regimes progressistas, e a treiná-los, armá-los e enviá-los para o Afeganistão.
Para a União Soviética foi o reverso do que fora o Vietnam para os EUAN.
O originário do reino da Arábia, Bin Laden, religioso fundamentalista wahabita, foi um dos enviados para recrutar, doutrinar e treinar jovens combatentes islâmicos fundamentalistas.
Acabada a guerra no Afeganistão contra o regime progressista e os soviéticos, no fim da década de 1980, o Iraque, no início da década de 1990, ocupou militarmente o Queite, emirato árabe grande produtor de petróleo. O vizinho reino da Arábia sentiu-se ameaçado. Os EUAN consideraram que o controle político pelo Iraque de tão grandes reservas de petróleo, como são as do Iraque somadas às do Queite, poderia ser perigoso para os seus interesses, não obstante o regime iraquiano de Sadam, embora de origem progressista e laica, se ter posto, no início da década de 1980, ao serviço dos norte americanos para combater o regime clerical xiita do Irão.
Era necessário, para combater o governo do Iraque, instalar bases militares americanas no reino da Arábia. O rei da Arábia aceitou e os fundamentalistas religiosos wahabitas não se opuseram, porque a acção militar era contra o regime iraquiano de matriz progressista e laica.
Os iraquianos foram expulsos do Queite, mas os soldados norte americanos não abandonaram o reino da Arábia. A corrente mais rigorosa do fundamentalismo árabe wahabita, a que pertence Bin Laden, passou a opôr-se a que as tropas americanas continuassem a ocupar o reino da Arábia após a guerra de 1991 contra o Iraque por não serem de religião islâmica.
Assim começou a criar força e organização e a voltar-se contra os EUAN a corrente político-religiosa wahabita mais fundamentalista chefiada por Bin Laden, que anteriormente havia estado ao serviço da política norte americana no Médio Oriente.

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