segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Alguma imprensa estadunidense

Alguma imprensa estadunidense começa a interrogar-se sobre os desmandos do neoliberalismo

António Bica

O terramoto financeiro estadunidense, que contaminou todo o mundo, iniciado no Verão de 2007 não se esperava que e viesse a intensificar no final do Verão de 2008, antes se esperava que chegasse ao termo. Mas em Setembro de 2008 ocorreram grandes abalos nas maiores empresas financeiras estadunidenses que as levaram a falência eminente, sem se saber quando a crise vai acabar. A duas delas, especializadas em crédito hipotecário à habitação, a Freddie Mac e a Fannie Mae, pôs o governo do ultraliberal presidente Bush a pôr mão por baixo disponibilizando, ao que a imprensa estadunidense noticiou, 200.000 milhões de dólares. O gigante banco de investimentos Lehman Brothers não se salvou da falência. À AIG (American International Group), grande empresa de seguros com mais de 100.000 trabalhadores e dezenas de milhões de seguros de pensões e outros, voltou o governo do presidente Bush a pôr a mão por baixo socorrendo-a com 80.000 milhões de dólares.
            O jornal estadunidense Washington Post, em texto de opinião de Steve Pearstein, atribui aos grandes patrões das empresas a responsabilidade por esta terrível crise financeira gerada nos EUA que está a abalar o mundo: no entender do jornal, porque apoiam a política dos republicanos de baixos impostos aos mais ricos, recusam a promoção da segurança económica dos trabalhadores e a eficiência do sistema de saúde estadunidense que, sendo o mais privatizado do mundo desenvolvido com custos muito elevados, é dos mais ineficientes, havendo grande número de famílias de trabalhadores sem cuidados de saúde assegurados; desregularam o mercado das energias, o que levou à ineficiência e a graves rupturas nas redes eléctricas como consequência das distorções na concorrência, da manipulação de preços e da avidez por lucros desproporcionados, e, no que respeita ao petróleo e ao gás natural, não foram capazes de planear e desenvolver com antecedência os necessários investimentos em prospecção e exploração de novas jazidas.
Outra imprensa estadunidense censura o governo neoliberal republicano por impor políticas de fé cega nos mercados não regulados e a cobrança de baixos impostos sobre os mais ricos em prejuízo de políticas de promoção de segurança nos negócios, de práticas comerciais honestas, de respeito pelo ambiente.
A propósito destas considerações da grande imprensa dos EUA, não posso deixar de citar parcialmente o que em artigo de opinião que li neste jornal há quase 2 anos:
“São condições para que haja ‘progresso social e civilizacional’ o desenvolvimento da economia com crescimento da riqueza colectiva, que desenvolvimento da riqueza colectiva é factor decisivo para o avanço das sociedades humanas no caminho da democracia e da solidariedade.
As condições para que haja desenvolvimento na economia são, por ordem de prioridade:
a)      Promoção do conhecimento científico pela investigação;
b)      Aquisição permanente de conhecimento por todos;
c)      Cuidados básicos de saúde para todos;
d)     Não deixar ninguém cair no desamparo e na exclusão;
e)      Definição do poder público, a todos os níveis, por todos os cidadãos, por eleições periódicas livres;
f)       Fazer assentar, tanto quanto possível, a organização da sociedade em automatismos, de modo que a necessidade de intervenção da autoridade pública se reduza ao mínimo, devendo sobretudo tentar criar condições para o melhor funcionamento dos automatismos;
g)      Assegurar condições para a máxima mobilidade económica e social;
h)      Respeitar os direitos constantes da Declaração Universal dos Direitos do Homem;
i)        Ter em conta que, enquanto houver escassez de bens, cada um terá que ser remunerado segundo o seu trabalho, o que foi definido pelos teóricos clássicos do socialismo, que só para as sociedades de superabundância (o utópico comunismo) defenderam: de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades.”

As eleições presidenciais estadunidenses de Novembro de 2008 poderão determinar mudanças significativas na política económica dos EUA, que serão mais significativas se vencer o candidato Obama.
Talvez ainda se não avance nos EUA para políticas sociais e económicas capazes de promover o cumprimento de cada uma das indicadas alíneas. Desde o colapso da União Soviética, em 1991, e dos países do “socialismo real” do oriente europeu, os donos das grandes empresas multinacionais não têm cessado de pressionar a redução da segurança do trabalho, e o número de anos de trabalho para se ter direito a reforma. Em consequência disso, como a Universidade Cornell (EUA) informa, em publicação sobre a situação do mundo laboral nos EUA, em 2006/2007, o rendimento dos cidadãos estadunidenses mais ricos aumentou desmedidamente enquanto que os rendimentos das famílias médias caíram muito.
Mas progressivamente as numerosas camadas sociais mais desfavorecidas do mundo não deixarão de lutar por melhores condições de salários, de segurança social, de habitação, de saúde e de reforma. Essa luta é inevitável e justa. A relação de trabalho é de natureza económica e não moral. Não podem por isso as organizações de trabalhadores deixar de ter em conta que terá que haver correspondência entre o aumento da produtividade e a melhoria das condições de salários e de outros benefícios sociais. No mesmo texto que li neste jornal, sobre isso era dito:
“Um trabalhador que vende a sua capacidade de trabalho a outra pessoa procura vendê-la bem, isto é, receber por ela remuneração tão alta quanto possível. Como o comprador da capacidade de trabalho tem necessidade de a transformar em bens, procura que a produção de bens por cada trabalhador seja tão grande quanto possível. É o que se designa por produtividade: a relação entre o tempo de trabalho e a quantidade de bens produzidos.
De que depende a produtividade? Fundamentalmente de três circunstâncias: a tecnologia usada na produção, o grau de conhecimentos do trabalhador e o seu empenhamento pessoal.
Quanto à tecnologia usada, ela é decidida pelo empregador, dependendo apenas dele. O empregador é que decide, ao, por exemplo, pôr o trabalhador a fazer cópias de documentos se compra para isso fotocopiadora, se máquina de escrever, ou se as cópias são escritas à mão.
No caso da construção de uma estrada, o empresário é que decide se vai nela utilizar a melhor e mais potente maquinaria de escavação e de transporte de aterro, ou se a construção vai ser feita a pá e picareta e o transporte do aterro em carros de mão.
Como decorre destes dois exemplos, a produtividade de cada trabalhador é muitíssimo maior se a tecnologia que o empregador usar for a melhor.
A produtividade dos trabalhadores depende fundamentalmente da tecnologia que for usada no processo produtivo, sendo a escolha da tecnologia da responsabilidade do empregador. Se o empregador não usar a melhor tecnologia é por rotina, esquecimento, ou por não querer fazer o necessário investimento.
O grau de conhecimentos do trabalhador é também factor significativo para a produtividade. Mas as habilitações de cada trabalhador são definidas pelo empregador quando o contrata, podendo exigir as habilitações que entender como condição para contratar. Se, depois de empregado o trabalhador, quiser que ele melhore os conhecimentos tecnológicos, compete ao empregador fazer a preparação profissional do trabalhador com cursos adequados.
Há finalmente que referir o empenhamento pessoal do trabalhador, que resulta da relação que se estabelecer entre o trabalhador e o empregador. Há empregadores que consideram que para se obter boa produtividade devem ser rudes e às vezes brutais com os trabalhadores, procurando assim forçá-los a produzir o mais possível. A normal tendência do trabalhador, que vende a sua capacidade de trabalho por uma quantia periódica mensal fixa e independente do que produz durante o correspondente período de tempo, é esforçar-se o menos possível, dando o mínimo de empenhamento em troca da remuneração, se ela não variar em função da quantidade de bens produzidos. Os empregadores mais inteligentes, em vez de usar métodos ríspidos e repressivos, procuram usar critérios de remuneração que tenham em conta o grau de empenhamento dos trabalhadores, remunerando-os em função desse empenhamento e do que produzirem, o que corresponde ao princípio de a cada um segundo o seu trabalho.

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