segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Evolução política no Paquistão

A evolução política no Paquistão e as dificuldades crescentes dos E.U.A. no Médio Oriente

António Bica

Em 3 de Novembro de 2007 o general Pervez Musharraf, Presidente e Chefe do Exército do Paquistão, suspendeu a aplicação da Constituição, demitiu os juizes do Tribunal Supremo, reprimiu manifestações de protesto e mandou prender mais de meia centena de pessoas, entre elas o presidente dos advogados paquistaneses.
O governo norteamericano do presidente Bush reagiu com cautela e, na linha dos norteamericanos, fizeram o mesmo o governo inglês e o chefe da diplomacia da União Europeia, Xavier Solana.
Porque reagiram os norteamericanos com cautela?  
Porque o general Pervez Musharraf do Paquistão tem sido o grande aliado do governo dos E.U.A.N. contra a militância religiosa mussulmana de largas camadas populacionais paquistanesas que levou os Talibans ao poder no Afeganistão e se tem vindo a opor com persistência à estabilização política no Afeganistão e, no Paquistão, ao domínio político do general Pervez Musharraf.
O Paquistão é a parte da Índia onde a maioria indianos de religião islâmica, quando a Índia se libertou do domínio colonial inglês, optou por criar um estado independente que designou por Paquistão. Essa decisão levou a forte reacção dos indianos não mussulmanos e dos mussulmanos, com expulsão de grande número de habitantes de minorias religiosas, quer na parte que passou a ser o Paquistão, quer na parte restante, a Índia actual.
Embora as religiões, em regra, assentem sobre princípios de paz [lembre-se que a saudação corrente islâmica é salam (paz) e a cristã também (a paz seja contigo)], a verdade é que é à volta delas que se acendem os maiores ódios e se desencadeiam as mais vastas matanças. A razão disso assenta nas estruturas religiosas de poder que são levadas a combater pela submissão e o controle das consciências das pessoas e pela ideia, nas religiões monoteistas, de que os seus fundamentos religiosos assentam na palavra de Deus.
Não se podendo Deus enganar nem corrigir, por ser omnisciente, cada relegião acusa as outras de serem falsas. Por todas estas razões a população paquistanesa, que é islâmica, conserva, desde a independência, há cerca de 60 anos, fortes sentimentos de hostilidade às outras religiões especialmente a indú e as cristãs.
O governo dos E.U.A.N., desde que, na década de 1950, a Índia integrou a frente dos países do terceiro mundo recentemente libertados do domínio colonial que lutavam pelo desenvolvimento e a equidistância em relação aos E.U.A.N. e à União Soviética, passou a manter distância em relação à Índia e a encorajar, embora de modo não ostensivo, a hostilidade de base religiosa do Paquistão em relação à Índia. E, quando a União Soviética cometeu o erro, no início da década de 1980, de enviar o exército para o Afeganistão a combater ao lado dos partidos progressistas, então no poder, contra os partidos religiosos conservadores e obscurantistas, o governo dos E.U.A.N. deu todo o apoio em dinheiro, informação e armamento ao Paquistão para reforçar o combate ao regime progressista afegão, recrutando para isso jovens combatentes fundamentalistas em todos os países islâmicos, e, mais do que isso, fornecer ao Paquistão conhecimentos, meios financeiros e tecnológicos para construir bombas atómicas.
Com a destruição das torres em Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001, o governo dos E.U.A.N. inverteu a política de apoio ao islamismo fundamentalista, extremista e belicoso, quer porque a União Soviética colapsara em 1990 e portanto já não precisava dele para atacar os soviéticos, quer porque atribuiu a destruição das torres novaiorquinas (supõe-se que com razão) ao islamismo radical organizado à volta da Alcaida. Seguiu-se, em retaliação, a guerra no Afeganistão pelos E.U.A.N., que está longe de estar ganha. Depois, em Março de 2003, foi a guerra no Iraque (para controlar as grandes jázidas de petróleo do país), que está também longe de estar ganha.
O governo dos E.U.A.N. obrigou o presidente do Paquistão a dar-lhe apoio na guerra contra o fundamentalismo islâmico no Afeganistão com a ameaça de que, se o não fizesse, faria, com ataques militares, regressar o país à idade da pedra.
O Pervez Musharraf foi assim obrigado a seguir orientação política contra a corrente radical fundamentalista islâmica dominante no país. As contradições foram por isso crescendo. Musharraf estava, em Outubro de 2007, em risco de perder o poder. Optou por o não correr, suspendendo a Constituição, prendendo os adversários políticos, reprimindo as manifestações de protesto.
O governo dos E.U.A.N., apesar da medida ostensiva contra os princípios democráticos, reagiu com brandura. Não pode de deixar de se mostrar preocupado com a suspensão da Constituição, mas não condenou o golpe.
Se Pervez Musharraf for afastado o poder no Paquistão e os fundamentalistas islâmicos controlados pela Alcaida ou nela inspirados acederem a ele, o governo dos E.U.A.N. estará em grandes dificuldades. A Alcaida passará a dispor de poderoso armamento nuclear, calculando-se que com cerca de 35 bombas atómicas.
As aventuras “cowboy” de Bush no Médio Oriente, neste princípio do século 21, poderão estar a dar para o torto. Israel que se cuide.  A sua arrogancia de há 60 anos na Palestina poderá vir a sofrer resposta amarga. E, pior do que isso, a intolerância de raiz religiosa no mundo poderá vir a pôr em causa os princípios: da democracia, da liberdade de pensamento, de expressão, de religião, de igualdade entre homens e mulheres.

Sem comentários:

Enviar um comentário