segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Desenvolver a Democracia

A democracia é o único sistema de governo compatível com o princípio de que todos os homens nascem iguais em direitos e em deveres


António Bica

                                                                      

I – O fundamento da democracia

1. A democracia tem por fundamento o princípio de que todos somos ontologicamente iguais. Daí resulta que o governo do colectivo há-de decorrer da livre escolha dos cidadãos.
Em democracia quem exerce o poder de fazer leis e regulamentos, de administrar e de fazer justiça a nível nacional, regional e local tem que ser para isso eleito, directa ou indirectamente, pelos cidadãos por período limitado de tempo, de forma livre, mediante debate prévio, por processo que assegure voto livre e secreto.

II – As necessárias consequências da democracia


2. Além disso, para que haja democracia, é necessário que:
a) Haja liberdade de pensamento com expressão dele, nomeadamente nos meios de comunicação social, mediante manifestação pública e nas diversas formas de arte, sem prejuízo do direito de cada um à integridade moral, física e ao equilibrado respeito pelos seus bens.
b) Os cidadãos se possam livremente associar, no quadro constitucional, para: prosseguir fins políticos; interesses não económicos nomeadamente culturais, sindicais, profissionais, desportivos, religiosos, cívicos; interesses económicos nomeadamente sob forma cooperativa.
c) O poder público, a todos os níveis (nacional, regional e local), assegure ensino para todos gratuito até ao máximo nível possível, tendo em conta a riqueza nacional produzida.
d) Se organize para todos sistema de saúde que assegure e promova acções preventivas da doença a desenvolver de forma sistemática desde antes do nascimento até à morte e ainda acções para a recuperação da saúde ou atenuação das consequências das doenças não curáveis, de acordo com a riqueza nacional produzida.
e) Se garanta que nenhum cidadão ou residente caia no desamparo por maus tratos, falta de alimentação, de abrigo ou de roupa, com prioridade para as crianças, os incapazes,  os jovens e os idosos, com mecanismos eficazes que evitem simuladas carências por oportunismo e parasitismo, também de acordo com a riqueza nacional produzida.
f) Se desenvolvam sistemas de participação com discussão permanente de todas as questões de interesse para os cidadãos, a nível local, regional, nacional e internacional, privilegiando o recurso aos actuais meios electrónicos disponíveis, procurando possibilitar e estimular a expressão permanente ou em períodos curtos, por cada cidadão da sua opinião, de modo quantificável e não falsificável.
g) Se institucionalizem e generalizem métodos de expressão sistemática e confidencial, por cada cidadão, da qualificação do grau de eficiência dos diversos serviços públicos que lhe são prestados, sendo essa expressão organizada de modo sistemático e não manipulável nem falsificável, com vista a estimular a qualidade e a permanente adequação dos diversos serviços públicos.
h) Se procure evitar a parasitação do sistema democrático de liberdades e garantias por aqueles que, usando processos demagógicos, fraudulentos, criminosos e de abuso de poder nomeadamente económico, conseguem chegar ao poder e mantê-lo a nível local, regional ou nacional para o usar em seu benefício, como se tem visto acontecer, nomeadamente a nível autárquico, com maior expressão em candidaturas independentes.
i) Se organize o exercício do poder, a todos os níveis, de modo que seja permanentemente contrabalançado por órgão ou órgãos independentes de crítica e fiscalização mediante acesso à informação correspondente.
j) Os desempregados involuntários e os que procuram o primeiro emprego trabalhem, enquanto não encontrarem trabalho na normal actividade produtiva, em organizações locais de trabalho social remunerado, a que devem ser atribuídos os meios disponíveis para o pagamento dos subsídios de desemprego, sendo o respectivo trabalho destinado a apoiar actividades culturais, desportivas educacionais, de defesa do ambiente, sanitárias, apoio social e semelhantes. 

III – A democracia a nível internacional


3. O desenvolvimento da democracia é questão que ultrapassa as fronteiras dos Estados. Respeitando a autonomia de cada Estado, nas relações internacionais há que desenvolver acções que visem a promoção do respeito pelos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem (publicada no Diário da República de 9 de Março de 1978) como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações.
           
IV – O regime político, em Portugal não é completamente democrático

4.  Embora o actual regime político português seja, no essencial, democrático, no que respeita ao exercício do poder de julgar, que integra o poder de soberania, mantém-se não democrático por os juízes exercerem o poder de julgar sem serem para isso escolhidos mediante a expressão directa ou indirecta da vontade popular e por tempo limitado, como qualquer outro titular de poder público.
Quando a burguesia, pelo fim do século 18 e mais no século 19, foi derrubando os regimes senhoriais, cuja legitimação assentavam na vontade de Deus interpretada pelas estruturas do poder religioso, contemporizou, com a manutenção do poder monárquico, embora limitado pela Constituição, por haver resistência à abolição da longa e socialmente sedimentada tradição do poder dos reis, contemporizando também  com a prática da nomeação dos juízes para os tribunais dos meios urbanos (os chamados juízes de fora), prática que generalizou aos tribunais rurais (onde em regra os juízes eram eleitos pelo povo) para garantir que a prática judicial se submetesse também aí aos critérios decorrentes do novo regime.
Quanto ao poder dos reis em Portugal, embora constitucionalmente limitado desde a primeira metade do século 19, acabou com a revolução republicana de 1910. A atribuição do poder soberano de julgar aos juízes por nomeação vitalícia, como se o exercício do poder público pudesse ser profissão, o que é assim entendido pelos juízes a ponto de se organizarem sindicalmente, é prática que, embora também seguida na maior parte dos países europeus, não pode ser considerada compatível com a democracia, que pressupõe que todo o poder público é exercido mediante escolha directa ou indirecta pela vontade popular e por tempo limitado.

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