segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Direito à cidadania no mundo rural

Direito à Cidadania no Mundo Rural

Desde que a produção industrial iniciou o seu desenvolvimento no século 18, a agricultura englobando nela a pecuária, passou a ter cada vez menor parte na produção de bens. Actualmente, nos países desenvolvidos, em que se integra Portugal, a produção agrícola não corresponde a mais do que 2 a 3 por cento da produção total, embora seja quantitativamente cada vez maior em valor. Dessa reduzida percentagem da produção agrícola boa parte segue métodos industriais: produção de leite de vaca, de carne de porco e de aves, e de ovos e de hortícolas, e fruta em estufa.
Em consequência a população que antes vivia em muito grande percentagem nos campos foi afluindo aos espaços urbanos e vai continuar a afluir. Esta evolução na produção de bens com a sequente progressiva deslocação populacional para as cidades não é no essencial negativa. A produção industrial de bens permitiu aumentar muito a produtividade, reduzir o tempo de trabalho e fez desenvolver e alargar cada vez mais o ensino para os trabalhadores poderem dominar as progressivamente mais complexas tecnologias de produção.
Desejável é, por isso, que nos países em desenvolvimento a produção agrícola seja parte cada vez relativamente menor da produção, embora quantitativamente, em valor, maior.
A consequência negativa desta evolução da economia é o despovoamento acelerado do mundo rural, com desertificação humana dos campos. Cada vez menos gente vive nos campos. A inevitável consequência é os serviços públicos terem cada vez menos utentes (escolas, transportes, serviços de saúde, agrícolas, de finanças e outros). Consequentemente vão sendo extintos, que não é económico mantê-los se o número dos que os procuram descer abaixo do nível compatível com a qualidade e a economia. E a extinção deles faz acelerar a saída dos que vivem no mundo rural.
Assim esta dinâmica económica e social está a potenciar a desertificação humana do mundo rural porque:
1.       a produção de bens industriais e de serviços se concentra cada vez mais nos meios urbanos;
2.       em consequência a população rural tende a abandonar os campos e a afluir às cidades;
3.       a produção agrícola, englobando-se nela a pecuária, usa progressivamente metodologia industrial, dispensando trabalhadores, que consequentemente procuram trabalho nos meios urbanos;
4.       refazendo-se a população rural, os serviços públicos que a servem tendem a fechar por diminuir o número dos utentes.

Nestas circunstâncias, como agir para evitar o despovoamento rural? Poderá entender-se que, sendo inevitável este processo sócio-económico, melhor é deixar que decorra e o meio rural venha a deixar de ter gente.
Mas é caminho não aceitável. O mundo rural não pode desertificar-se de gente porque:
a)      se for abandonado, ninguém cuidará dele, tendendo a transformar-se em selva onde inevitavelmente ocorrerão catástrofes ecológicas causadas sobretudo por incêndios florestais e em matos, ou de origem natural, ou intencional, ou por descuido de quem passa nas estradas que o atravessam, com danos para a paisagem, a biodiversidade e para os rios e as barragens em consequência da erosão dos solos;
b)      cada vez maiores extensões de terrenos com capacidade para produção agrícola, que actualmente estão incultos porque se importam bens agrícolas a preços mais competitivos, serão de difícil posterior recuperação para a agricultura, se o comércio internacional se desorganizar;
c)       as técnicas rurais de produção agrícola e artesanal e a cultura por elas gerada tenderão a perder-se;
d)      deixar-se-á de cuidar das florestas com forte redução da sua rentabilidade económica e ambiental;
e)      a população urbana deixará progressivamente de poder usufruir do meio rural, visitando-o ou nele mantendo segunda habitação e religando-se aos valores culturais da sua origem.

A solução poderá ser:
I – dinamizar a instalação e o desenvolvimento de pequenas e médias empresas industriais e de serviços, incluindo restauração e alojamento, nos concelhos rurais maiores ou em conjuntos de concelhos contíguos, capazes de fixar os jovens trabalhadores aí nascidos, após a formação profissional;
II – facilitar o transporte dos residentes no meio rural para utilizar os serviços públicos que houver que deslocalizar por falta de dimensão adequada em consequência da redução da população  (serviços de saúde, escolas e outros);
III – estimular a qualidade das produções artesanais e agrícolas tradicionais e a sua comercialização para se manterem os correspondentes conhecimentos, se atrair população urbana ao espaço rural e se melhorar os níveis do rendimento familiar;
IV – apoiar a beneficiação dos caminhos agrícolas e florestais e a abertura de novos caminhos para que haja condições de acesso e se possa manter humanizado o território (campos, floresta e incultos);
VI – melhorar as condições de habitabilidade nas aldeias; 
VI – pagar aos agricultores que vivem no espaço rural os serviços para manter limpos de mato as florestas e os incultos e assegurar que os terrenos agricultáveis, que não estiverem a ser usados, possam entrar em produção em prazo curto, logo que for necessário, o que poderá ser feito em grande parte pelo orçamento da PAC (Política Agrícola Comum) que faz actualmente pagamentos, em regime de pagamento único, por esses terrenos, mesmo que estejam completamente abandonados e incapazes de entrar em produção no caso de o comércio internacional de bens alimentares se desorganizar;
Quem ainda vive e trabalha no meio rural beneficia apenas de meia cidadania a aguardar que, a prazo, o mundo em que vive se extinga e com ele o seu potencial económico e a cultura que produziu. As organizações políticas não se consciencializaram ainda suficientemente de que é necessário que o mundo rural tenha condições de sobrevivência para manter humanizado o meio rural, torná-lo espaço de preservação das raízes culturais nascidas da agricultura e do artesanato e de desenvolvimento económico com preservação dessa cultura, da paisagem rural (construída e natural), com atracção ao meio rural, em visita ou em segunda habitação, dos que vivem nas cidades, procurando os espaços naturais e as suas mais fundas raízes culturais, e ainda, o que é tão importante, preservando os terrenos com capacidade agrícola que estão a ser deixados incultos e mantendo os conhecimentos e os meios para os fazer entrar em produção se o comércio internacional se desorganizar.
Os cidadãos que vivem em meio rural têm direito a ser pagos pelos serviços que assim, hoje, prestam e os que vierem a prestar ao colectivo nacional, que não se traduzirem em rendimento pessoal directo. O pagamento terá que ser feito em função do esforço e do empenho efectivamente feitos e verificados por cada residente em meio rural.
É do interesse do país pagar, conjugando o pagamento com o orçamento da PAC (Política Agrícola Comum).
A grande e cada vez maior percentagem, na riqueza do país, da produção de serviços e de bens industriais em Portugal e nos demais países desenvolvidos torna possível o justo pagamento desses serviços a quem vive no meio rural. Desse modo os cidadãos que vivem no espaço rural recuperarão justamente a plena cidadania que hoje lhes é negada.

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