A NECESSÁRIA INTEGRAÇÃO DOS CIGANOS NAS SOCIEDADES EM QUE VIVEM
António Bica
Os ciganos constituem grupo social que vive no meio da sociedade dos países em que residem considerando-se distintos e separados dela. Mantêm nesses países a cultura correspondente à das sociedades tribais.
Nas sociedades tribais só os membros da tribo eram considerados como iguais. Os exteriores eram entendidos como gente sem a mesma dignidade, distintos e, em rigor, não merecedores da solidariedade e respeito devidos entre os membros da tribo. Por isso os casamentos deviam ser feitos dentro do grupo, regra imposta e raramente transgredida nas sociedades tribais, garantindo a manutenção da sua individualidade.
Com o desenvolvimento comercial e a consequente unificação política em largas áreas geográficas, o que teve início por volta do século 6 antes de Cristo e culminou na Europa com o Império Romano, as identidades tribais tenderam a apagar-se, o que foi potenciado no fim do Império Romano pela generalização da conversão voluntária ou forçada da sua população ao Cristianismo.
Apesar disso mantiveram-se, na Europa, excepções: os judeus e os ciganos, que, tendo origem tribal, conservaram a cultura correspondente, para o que contribuiu não terem adoptado o cristianismo como religião.
Todavia os judeus e os ciganos têm entre si grande diferença:
Uns (os judeus) baseiam a sua cultura em um livro (a Bíblia), que lêem, ensinam uns aos outros, comentam e interpretam, o que lhes dá a vantagem de, por isso, serem letrados e cultos e, em consequência, terem conhecimentos que dão capacidade a grande percentagem deles para enriquecer. Embora a religião que seguem proíba cobrar juros e mande praticar a equidade, consideram que essas normas apenas são de aplicar entre eles. Sendo, em grande percentagem, letrados e cultos, não deixam de cultivar valores de tipo tribal, que alguns, mais racionais, abandonam por os considerarem sem razão, entre eles, recentemente, o conhecido músico de jazz, Gilad Atzmon, nascido em 1963 em Tel Aviv, de nacionalidade israelita, que participou como militar do exército de Israel na desumana invasão de 1982 do Líbano contra os libaneses e os palestinianos aí refugiados. Declarou esse músico, hoje com nacionalidade britânica e a viver na Inglaterra: Abandonei o conceito (que tinha) de pertencer a povo eleito (por Deus) e transformei-me num ser humano comum. Sinto-me feliz por isso.
Outros os (os ciganos), pelo contrário, não se interessam por saber ler e escrever, vivendo pobremente de esmolas que mandam aos filhos pequenos pedir a não ciganos e de pequenos negócios fraudulentos com estranhos à sua comunidade e furtos.
Os ciganos e os judeus, por constituírem sociedades de valores culturais de tipo tribal, têm os traços comuns de considerarem os exteriores ao respectivo grupo como outra gente, não tendo que seguir, em relação a eles, as regras de solidariedade e de respeito que consideram de observar entre os membros do seu grupo, e de proibirem o casamento fora do respectivo grupo, o que o tende a perpetuar.
Em relação aos judeus havia grande animosidade nas camadas populares, na Europa medieval, especialmente na Espanha e em Portugal, por serem frequentemente exploradas pelo judeus ricos, que emprestavam dinheiro a juros altos e agiam como duros cobradores dos impostos e das prestações senhoriais por conta dos reis e da grande nobreza, actividades que não podiam praticar entre eles. Por os judeus serem em grande percentagem cultos e ricos, na Espanha e em Portugal, foi feito grande esforço, que, na falta de resultados, passou a violência, para lhes fazer perder o cimento religioso da sua cultura tribal com conversão ao cristianismo. O rei e a grande nobreza sempre defenderam os judeus da ira das camadas populares, só se tendo voltado contra eles quando o incipiente desenvolvimento da economia burguesa, em que predominavam judeus, começou a ameaçar a ordem económica senhorial.
Quanto aos ciganos, sendo pouco numerosos, pobres, itinerantes, vivendo de pedir esmolas, de pequenos negócios (sem se preocuparem por serem fraudulentos desde que com não ciganos), e de pequenos furtos, dificilmente se fixando nos povoados, e por isso não sendo causa de escândalo apesar da sua indiferença à prática religiosa cristã, ninguém se preocupou com eles, nem mesmo a Igreja Católica que nunca desenvolveu actividade organizada e consequente para a sua conversão ao cristianismo.
Nesta região de Lafões os ciganos nunca tenderam a parar, que, sendo pobre, não era favorável a esmolas que compensassem, a negócios, nem a pequenos furtos. Os ciganos preferiam as maiores vilas e as cidades para montar as suas tendas durante dez a quinze dias, a pedir esmolas e fazer negócios nas feiras, e os campos do sul onde era mais fácil pôr os burros a pastar nas grandes propriedades dos agrários do que nas escassas leiras dos pequenos agricultores de Lafões.
A expulsão pelo governo francês de ciganos, neste verão de 2010, idos recentemente da Roménia para França, foi objecto de discussão noticiosa e política. É assunto que merece reflexão, procurando entender-se a razão da súbita deslocação de bom número de ciganos da Roménia para a França; a razoabilidade ou irrazoabilidade da sua expulsão pelo governo francês; o problema que constitui a existência num país de uma comunidade de cultura tribal que considera dever manter-se aparte, não se sentindo obrigada a respeitar as regras de convivência e respeito mútuo que entende dever observar no seu interior, impondo aos seus membros a observância de costumes, entre os quais se destaca a obrigação de casamento dentro do grupo, que levam à manutenção indefinida da cultura tribal.
A ida em grande número de ciganos da Roménia para a França deveu-se a a Roménia integrar actualmente a União Europeia e por isso ser livre a circulação dos ciganos romenos no espaço europeu.
O interesse deles em instalar-se em França resulta de, vivendo em grande parte de pedir, as esmolas dadas por franceses, por serem mais ricos do que os romenos, tenderem a ser mais avultadas.
Sobre a prática da expulsão dos ciganos romenos pelo governo francês é de considerar não razoável. Se as regras comunitárias permitem a livre circulação de cidadãos europeus, devem ser respeitadas independentemente de serem ciganos ou não.
Questão mais complexa é a da existência, dentro de um país, de uma ou mais comunidades que consideram não integrar o conjunto dos cidadãos do país em que vivem e de que são nacionais, com a consequência de não sentirem obrigação de respeitar as regras de convivência e respeito mútuo que entendem de observar no seu interior. E, porque essas comunidades de cultura de tipo tribal tendem a perpetuar-se pela proibição do casamento fora do seu grupo, o problema social e consequentemente político que constituem tende a não ser solúvel, o que, ao longo do tempo, tem levado a explosões de violência espontâneas ou organizadas pelo poder público, como aconteceu com os judeus no ocidente da Europa na Idade Média, no século 19 nos países eslavos e, mais recentemente, com judeus e ciganos na Alemanha nazi.
A integração dos ciganos no espaço da União Europeia poderá não ser difícil, desde que se consiga fazer diluir os valores culturais segregacionistas que os perpetuam como comunidade separada. Para isso haverá que levar, por persuasão, não por imposição, os filhos dos ciganos a frequentar a escola sem interrupções, em estabelecimentos fixos, e, de preferência, em regime de internato quando os ciganos são itinerantes como frequentemente acontece. As escolas, incluindo os internatos, terão que ser da melhor qualidade para que se consiga bom aproveitamento escolar e consequentemente a aquisição não imposta dos valores culturais básicos observados no país e das regras de convivência. Se as famílias ciganas aceitarem deixar que os seus filhos frequentem nestas condições a escola, é de prever que em poucas gerações os ciganos abandonem práticas de comportamento anti-sociais, integrando-se plenamente nas sociedades dos países em que vivem.
É de esperar que as famílias ciganas resistam a deixar os filhos frequentar a escola em estabelecimentos fixos, porque os põem a pedir esmola, o que é uma das suas principais fontes de rendimento. Haverá por isso que sobre-compensar as famílias ciganas pela perda de rendimento que é os seus filhos não obterem, pedindo, as esmolas que normalmente conseguem. Sobre-compensando-as, é de prever que, sabendo que os seus filhos são nas escolas bem tratados e ensinados, sendo bem compensadas pelos rendimentos que perdem deixando-os frequentar a escola, os deixem frequentá-la.
O que a União Europeia gastar com isso, se a acção for por ela financiada, o que é mais razoável por o problema ser de toda a União Europeia dado o direito de livre circulação no seu espaço e os ciganos não estarem igualmente distribuídos pelos diversos países que a integram, será pequeno investimento em relação ao correspondente benefício, que da plena integração dos ciganos nos países em que habitam resultarão as vantagens da sua normal participação na economia, de que se mantêm, em regra, à margem, e do fim da tensão social que a sua cultura marginalizante e potenciadora de conflitos cria.
Os ciganos conseguem obter razoável rendimento pondo os filhos a pedir, com os pequenos negócios e os furtos a não ciganos. Um caso exemplar conheço passado há quase 50 anos na região de Lafões, em Oliveira de Frades: Duas famílias ciganas desentenderam-se em Pinheiro de Lafões e agrediram-se. Da refrega resultou um cigano ferido a tiro. A GNR interveio e o cigano agressor foi detido, acusado em processo penal e julgado. Da detenção até ao julgamento passaram-se largos meses. A família do agressor não o abandonou. Acampou junto da vila onde estava preso a aguardar o desenrolar do processo e o julgamento. O advogado que o defendeu questionou o chefe da família cigana sobre a razão por que não se fixavam numa terra para aí trabalhar com emprego fixo. Respondeu: Já o tentámos, mas o que se ganhava para pouco dava. O que recebemos pedindo e dos nossos negócios dá bem mais.