sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A NECESSÁRIA INTEGRAÇÃO DOS CIGANOS NAS SOCIEDADES EM QUE VIVEM

A NECESSÁRIA INTEGRAÇÃO DOS CIGANOS NAS SOCIEDADES EM QUE VIVEM
António Bica
Os ciganos constituem grupo social que vive  no meio da sociedade dos países em que residem    considerando-se distintos e separados  dela.  Mantêm  nesses países  a cultura correspondente à das  sociedades tribais.
 Nas sociedades tribais  só os membros da tribo eram  considerados como iguais. Os exteriores  eram  entendidos  como gente sem a mesma dignidade, distintos e, em rigor, não merecedores da solidariedade e respeito devidos  entre os membros da tribo. Por isso os casamentos deviam ser feitos dentro do grupo,  regra imposta e raramente transgredida nas sociedades tribais, garantindo a manutenção da sua individualidade.
Com o desenvolvimento comercial e a consequente unificação política  em largas áreas geográficas, o que teve  início por volta do século 6 antes de Cristo  e culminou na Europa com o  Império Romano, as identidades tribais tenderam a apagar-se, o que  foi potenciado no fim do Império Romano pela generalização da conversão  voluntária ou forçada da sua população ao Cristianismo.
Apesar disso mantiveram-se, na Europa,  excepções:  os judeus e os ciganos, que,  tendo origem tribal, conservaram a cultura correspondente,  para o que contribuiu não terem adoptado o  cristianismo como religião.
Todavia os judeus e os ciganos têm entre si grande diferença:
 Uns (os judeus) baseiam a sua cultura em um livro (a Bíblia), que lêem, ensinam uns aos outros,  comentam e interpretam, o que lhes dá a vantagem de,  por isso, serem letrados e cultos e, em consequência, terem conhecimentos que  dão capacidade a grande percentagem deles para enriquecer. Embora a religião que seguem   proíba  cobrar juros e mande praticar a equidade,  consideram que essas normas apenas  são de  aplicar entre eles. Sendo, em grande percentagem, letrados e cultos, não deixam de cultivar valores de tipo tribal, que alguns, mais racionais, abandonam por os considerarem sem razão,  entre eles, recentemente, o conhecido músico de jazz, Gilad  Atzmon, nascido em 1963 em Tel  Aviv, de nacionalidade israelita, que participou como militar do exército  de Israel na desumana  invasão de 1982 do Líbano contra os libaneses e  os palestinianos aí refugiados. Declarou esse músico, hoje com nacionalidade britânica e a viver na Inglaterra:  Abandonei o conceito (que tinha) de pertencer  a povo eleito (por Deus) e transformei-me num ser humano comum. Sinto-me feliz por isso.
 Outros os  (os ciganos), pelo contrário, não se interessam por saber ler e escrever, vivendo pobremente  de esmolas que mandam  aos filhos pequenos pedir a  não ciganos e  de pequenos negócios  fraudulentos   com  estranhos à sua comunidade e furtos.
Os ciganos e os judeus, por constituírem  sociedades de  valores culturais de tipo tribal, têm  os traços comuns de considerarem os exteriores ao respectivo grupo como  outra  gente,  não tendo  que seguir, em relação a eles, as regras de solidariedade e de  respeito que consideram  de observar entre os membros do seu  grupo, e de proibirem o casamento fora do respectivo  grupo, o que o tende a perpetuar.
Em relação aos judeus  havia grande animosidade nas camadas populares, na Europa medieval, especialmente na Espanha e em  Portugal, por serem frequentemente exploradas pelo judeus ricos, que emprestavam dinheiro a juros altos e agiam como duros  cobradores dos impostos e das  prestações  senhoriais por conta dos reis e da grande nobreza, actividades  que não podiam praticar entre eles.  Por os judeus serem em grande percentagem  cultos e ricos,  na Espanha e em Portugal,  foi feito grande esforço, que, na falta de resultados, passou a  violência,  para lhes fazer perder o cimento religioso da sua cultura tribal com conversão ao  cristianismo.  O rei e a grande nobreza sempre defenderam os judeus da ira das camadas populares, só se tendo voltado contra eles  quando o incipiente desenvolvimento da economia burguesa, em  que predominavam judeus,  começou a ameaçar a ordem económica senhorial.   
Quanto aos ciganos, sendo pouco numerosos, pobres,  itinerantes, vivendo de pedir esmolas, de pequenos negócios  (sem se preocuparem por serem fraudulentos desde que com não ciganos), e de pequenos furtos, dificilmente se fixando nos povoados, e por isso  não sendo causa de escândalo apesar da sua indiferença à prática religiosa cristã,  ninguém se preocupou com eles, nem mesmo  a Igreja Católica que nunca desenvolveu actividade organizada e consequente para a sua conversão ao cristianismo.
Nesta região de Lafões os ciganos nunca tenderam a parar, que, sendo pobre, não era favorável   a esmolas que compensassem, a negócios,  nem a pequenos   furtos. Os ciganos preferiam as maiores vilas e as cidades para montar as suas tendas durante dez a quinze dias, a pedir esmolas e fazer negócios nas feiras,  e os campos do sul onde era mais fácil  pôr os burros a pastar nas grandes propriedades dos agrários do que nas escassas leiras dos pequenos agricultores de Lafões.
A  expulsão  pelo governo francês de ciganos,  neste verão de 2010,  idos recentemente da Roménia para França, foi objecto de  discussão noticiosa e política. É assunto que merece reflexão, procurando  entender-se  a  razão da súbita  deslocação de bom  número de ciganos da Roménia para a França;  a razoabilidade ou irrazoabilidade da sua  expulsão pelo governo francês;  o problema que constitui  a existência num país de uma comunidade de  cultura  tribal que  considera dever  manter-se  aparte, não se  sentindo obrigada  a respeitar as regras de convivência e respeito mútuo  que entende  dever  observar no seu interior, impondo aos seus membros a observância de costumes, entre os quais se destaca a obrigação de casamento dentro do grupo,  que levam à manutenção indefinida da cultura tribal.
A ida em grande número de ciganos da Roménia  para a França deveu-se a a Roménia integrar actualmente  a União Europeia e por isso ser livre a circulação dos ciganos romenos  no espaço europeu.
 O interesse deles em instalar-se em França resulta de, vivendo em grande parte de pedir,  as esmolas  dadas por franceses, por serem mais ricos do que os romenos, tenderem a ser mais  avultadas.
Sobre a prática da expulsão dos ciganos romenos pelo governo francês  é de  considerar não razoável. Se as regras comunitárias permitem a livre circulação de cidadãos europeus,  devem ser respeitadas independentemente de serem ciganos ou não.
Questão mais complexa é a da existência, dentro de um país, de uma ou mais comunidades que  consideram não integrar o conjunto dos cidadãos do país em que vivem e de que são nacionais, com a consequência de  não sentirem  obrigação de respeitar as regras de convivência e respeito mútuo que entendem de observar no seu interior. E, porque essas comunidades de cultura de tipo tribal tendem a perpetuar-se pela proibição do casamento fora do seu grupo, o problema social e consequentemente político que constituem tende a não ser solúvel, o que, ao longo do tempo, tem levado a explosões de violência espontâneas ou organizadas pelo poder público, como aconteceu  com os judeus no ocidente da  Europa na Idade  Média,  no século 19 nos países eslavos  e, mais recentemente, com judeus e ciganos na Alemanha nazi.
A integração dos ciganos no espaço da União Europeia  poderá não ser difícil, desde que se consiga  fazer diluir os valores culturais segregacionistas que os perpetuam como comunidade separada. Para isso haverá que levar, por persuasão, não por imposição, os filhos dos ciganos a frequentar a escola sem interrupções, em estabelecimentos fixos, e, de preferência, em regime de internato  quando os ciganos são itinerantes como frequentemente acontece. As escolas, incluindo os internatos, terão que ser da melhor qualidade para que se consiga bom aproveitamento escolar e consequentemente a aquisição não imposta dos valores culturais básicos observados no país e das regras de convivência.  Se as famílias ciganas aceitarem deixar que os seus filhos  frequentem nestas condições a escola, é de prever que em poucas gerações os ciganos abandonem  práticas de comportamento anti-sociais,  integrando-se plenamente nas sociedades dos países em que vivem.
É de esperar que as famílias ciganas resistam a deixar os  filhos frequentar a escola em estabelecimentos fixos,  porque  os põem  a pedir esmola, o  que é uma das suas principais fontes de rendimento.  Haverá por isso que sobre-compensar as famílias ciganas pela perda de rendimento que é  os seus filhos não obterem, pedindo, as esmolas que normalmente conseguem. Sobre-compensando-as,  é de prever que,  sabendo que os seus filhos são nas escolas bem tratados e ensinados, sendo bem compensadas pelos  rendimentos  que perdem deixando-os frequentar a escola, os deixem frequentá-la.
O  que a União Europeia gastar com isso, se a acção for por ela financiada, o que é mais razoável por o problema ser de toda a União Europeia dado o  direito de livre circulação no seu espaço  e os ciganos não estarem igualmente distribuídos pelos diversos países que a integram, será pequeno investimento em relação ao correspondente benefício,  que da plena integração dos ciganos nos países em que habitam resultarão as vantagens da sua normal participação na economia, de que se mantêm, em regra, à margem, e do fim da tensão social que a sua cultura  marginalizante e potenciadora de conflitos cria.
Os ciganos conseguem obter razoável rendimento pondo  os filhos a pedir, com os pequenos negócios e os   furtos a não ciganos. Um caso exemplar conheço passado há quase 50 anos na região de Lafões, em Oliveira de Frades:  Duas famílias ciganas desentenderam-se em Pinheiro de Lafões  e agrediram-se.  Da refrega resultou um  cigano ferido a tiro. A GNR interveio e o cigano agressor foi detido, acusado em processo penal  e julgado.  Da detenção até ao julgamento passaram-se largos meses. A  família do agressor não o abandonou. Acampou junto da vila onde estava preso a aguardar o desenrolar do processo  e o julgamento. O advogado que o defendeu questionou o chefe da família  cigana sobre a razão por que  não se fixavam numa terra para aí trabalhar com  emprego fixo. Respondeu: Já o tentámos, mas o que se ganhava para pouco dava. O que recebemos pedindo e dos nossos negócios dá bem mais.