segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Amorim Girão

Amorim Girão nasceu em Fataunços há 112 anos

Aristides de Amorim Girão, professor de Geografia na Universidade de Coimbra nasceu em 16/6/1895 em Fataunços, concelho de Vouzela, morreu em Coimbra em 7/4/1960.

Em 1922 doutorou-se em Ciências Geográficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra com o estudo Bacia do Vouga. Publicou outras obras: Lições de Geografia Humana, 1936, Geografia Humana, 1946, Geografia de Portugal, (1949-1951), Viseu. Estudo de uma Aglomeração Urbana, 1925, Atlas de Portugal, 1958, Antiguidades Pré-históricas de Lafões, 1921.

Deste último livro, Antiguidades Pré-históricas de Lafões, para melhor se conhecer Amorim Girão, transcreve-se a seguir parte do Prólogo em que o autor justifica a obra:

«Tendo de preparar uma dissertação sobre a bacia hidrográfica do Vouga, para exame de doutoramento na Faculdade de Letras de Coimbra, havia eu resolvido organizar um inquérito regional, em que convidaria a depor diversas pessoas, nomeadamente párocos e professores primários, com o fim de mais facilmente iniciar as minhas investigações para esse efeito. Um dos assuntos que mais me preocupava, e onde pressentia maior filão a explorar, era sem dúvida o das antiguidades pré-históricas e proto-históricas – tão interessantes para o estudo da história e muito particularmente da geografia humana dos antigos habitadores desta região – e por isso vá de elaborar uma pequena notícia explicativa, um catálogo de designações toponímicas referentes ao caso, uma colecção de lendas mais vulgares nas suas relações com a arqueologia, de que daria prévio conhecimento aos meus diligentes informadores, para os guiar na identificação de quaisquer antiguidades existentes na área que, por motivos diversos, melhor deviam conhecer.

Mas estes empreendimentos são sempre lentos em elaborar, exigem muitas vigílias e sobretudo muita experiência das coisas, por forma que, decorrido algum tempo, não passavam ainda de projecto.

Era natural que o rompimento de hostilidades contra a geral ignorância destes assuntos começasse pela região de Lafões, o meu berço querido, onde por motivos que a todos são óbvios, teria maior facilidade em assentar boas posições estratégicas, além de seguir o conselho do escritor francês: «se nada mais souberdes, conhecei ao menos a história da vossa terra; nela encontrareis alguma coisa que vos consolará nas horas de tristeza e desalento».

... E, entretanto, decorria Janeiro de 1917. Estávamos a 12 do mês, na festa de anos do meu querido conterrâneo e amigo Aurélio de Sousa Melo, e essa festa proporcionou-me o acaso feliz de, momentos antes do jantar, na adega, com a primeira denunciação de dois copos de óptimo Falerno, abordar o então professor primário de Ventosa, José Manuel da Silva, que conhecia bem a serra do Caramulo e suas dependências.

Estando várias pessoas presentes, achei a ocasião asada, embora o local não fosse, para falar sobre o assunto, citando o único momento megalítico reconhecido em terras de Lafões – o dolmen de Espírito Santo de Arca – e explicando ao mesmo tempo o que eram esses monumentos, formas de facilmente se reconhecerem no campo, designações toponímicas que geralmente a eles se ligam etc. Falei-lhes de uma exploração que, havia pouco, tinha levado a efeito em duas mamoas situadas junto do Crasto de Campia, e no dolmen da Meruje, já visitado pelo sábio botânico Sr. Dr. Júlio Henriques.

... O professor pousou o copo, tomou o ar solene das grandes revelações, e com gesto largo anunciou-nos que um monumento da mesma natureza existia na Malhada de Cambarinho, outro no Ventoso, junto da sua Póvoa Pequena, acrescentando a esse já grande espólio arqueológico os restos despedaçados dum cavalo de pedra, no monte Crasto (Covas), onde fora em tempos um padre fazer rezas para descobrir o tesouro encantado...

Confesso que a arenga ininterrupta do professor nos entusiasmou deveras, e desde logo se formou à volta um grupo de amigos que se propunham realizar uma excursão a êsses monumentos logo que se combinasse. E combinou-se.

Eis, em resumo, como nasceu a ideia do estudo das nossas antiguidades e também a forma como adquirir razão de ser a publicação deste livro.

Seguiram-se as excursões e os trabalhos. Logo no dia 18 de Janeiro, uma abundante queda de neve não impedia que eu e os seus dedicados amigos Dr. Manuel Ferreira, Aurélio de S. Melo, José M. da Silva, e Torres do Lameirão, fizéssemos a primeira viagem de reconhecimento à Malhada e ao Ventoso, onde examinámos os primeiros dolmens. Desde logo se projectou a sua exploração, que se não fez esperar. Dos amigos que então se prestaram a acompanhar-nos, e que muito contribuíram para que as coisas fossem levadas a efeito com a sua presença, incitamento, e mesmo até pondo à nossa disposição trabalhadores, que o próprio esforço em grande parte  substituiu e dispensou, não devemos esquecer, além dos já referidos, o malogrado José Correia de Menezes, de Crescido, Francisco de Menezes, de Cimafeita, e Paulo José de Figueiredo, muito digno Secretário de Finanças em Vouzela.

No «Correio de Lafões», jornal que então se publicou na sede do concelho, iniciámos a 18 de Março uma série de crónicas arqueológicas subordinadas ao mesmo título dêste livro, em que demos conta das pesquisas efectuadas. Em 24 do referido mês, fazíamos a exploração de uma das antelas sitas junto da povoação do mesmo nome, que se nos revelou absolutamente intacta, e logo a 28 partíamos para o Caramulo em busca de novos megálitos e com destino a uma ligeira pesquisa no dolmen da Meruje, que no dia seguinte se efectuava.

As lides escolares em Coimbra voltavam a obrigar-nos a um armistício, mas logo nas férias grandes seguintes reatávamos os trabalhos interrompidos com uma nova exploração em Antelas. No dia 20 de Agosto, partíamos com os nossos incansáveis companheiros José M. da Silva e M. Marques Mano para uma nova excursão pelo Caramulo, cujas vertentes ocidental e oriental percorríamos numa febril mas esquadrinhadora marcha de três dias. Novas antas e novos vestígios do homem pre-histórico encontrávamos.

Conhecido o Caramulo, voltámo-nos para as numerosas ramificações do maciço da Gralheira, e o resultado aqui excedeu toda a expectativa. Nada menos de vinte e quatro mamoas conseguimos descobrir em três dias, e todas desconhecidas, à excepção da que encerra o dolmen de Campo de Arca!

Excursões posteriormente realizadas a Sul, serra de S. Macário, serra da Lapa e novas pesquisas no Caramulo, Gralheira e Talhadas, quase sempre determinadas por solícitas indicações de amigos, contribuíram para aumentar o número dos monumentos conhecidos. A 29 de Outubro, explorávamos um tipo perfeito de caverna que é constituído pela chamada Cova do Lobishomem, junto de Cambra. Castros pré-históricos, proto-históricos e até já pertencentes ao período histórico propriamente dito chamavam a nossa atenção: mas aqui não pudemos ir além de simples reconhecimentos arqueológicos, no sentido de determinar a época provável do seu último povoamento.

Ultimamente, nos poucos dias das férias do Carnaval (Fev.-Março de 1919), prosseguíamos em derradeiro esforço na empresa começada. Sozinho agora, pois os nossos dois corajosos companheiros estavam longe – um transferido a seu pedido para uma escola minhota e a outro atirado pelo acaso da insurreição monárquica para as agruras do exílio – eis-nos empreendendo ainda algumas das nossas mais violentas excursões. E por esses ásperos montes, onde por vezes fomos tomado por espião ou foragido político, cajado na destra e uma carta geográfica na sinistra, continuámos febrilmente na ânsia de descobrir novos restos dos tempos pré-históricos e de os dar em seguida a conhecer, fazendo a sua publicação, que planeávamos para breve.

Mas ... – sempre o impertinente mas! – a Natureza protestava, como no episódio do Gigante Adamastor, contra o homem que imprudentemente desdenhara do trilho áspero das serranias e do alongado das distâncias a percorrer, afrontando as inclemências do tempo e o rigor das estações:

- Uma doença pertinaz, longamente incubada no terreno propício de um organismo depauperado por sucessivas provas de resistências não tardava a manifestar-se, e, com um desenvolvimento de tal modo assustador, que a medicina quase se declarou impotente para debelá-la...

Todavia, o Destino quis ainda poupar o fio que a terrível Parca tão desapiedadamente ameaçava cortar, e, prestado um longo tributo de repouso, voltámos novamente aos nossos trabalhos, assim bruscamente interrompidos, com mais cuidados é certo, mas com a mesma fé inquebrantável doutros tempos.»

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