terça-feira, 5 de abril de 2011

A Revolução da Tunísia está a alargar

A Revolução da Tunísia está a alargar-se a outros países árabes
António Bica

A Tunísia é país pequeno, com 11 milhões de habitantes, de relevo moderado, clima mediterrânico como o do Algarve no norte,  religião cristã até à invasão árabe no século 7 (Santo Agostinho nasceu e depois foi bispo aí), passando nos séculos seguintes à religião islâmica.
Em 1883 a França impôs à Tunísia regime de protectorado colonial. Em 1942 os nazis alemães ocuparam o território, de que foram expulsos em 1943. Com o fim da guerra de 1939 a 1945 o tunisino Burguiba encabeçou a luta pela independência, que veio a ser reconhecida em 1956.
Burguiba tornou-se chefe do governo em 1957. Foi proclamada a  República e aprovada Constituição de tipo liberal com reconhecimento das liberdades fundamentais, promotora do ensino, da igualdade dos sexos, do laicismo, da reforma agrária, proibindo o casamento com mais do que uma mulher.
A Constituição da República da Tunísia é presidencialista. Burguiba foi dela presidente até ser deposto pelo militar Ben Ali, há 23 anos, em 1987.
Ben Ali, sem abolir a Constituição, segurou o poder com forte reforço dos meios policiais e fez-se eleger sucessivamente presidente até fugir para a Arábia Saudita em 14 de Janeiro de 2011, com 72 anos. Enquanto mandou, o regime manteve as características que tinha no tempo de Burguiba, mas sem respeito pelas liberdades fundamentais. Em consequência na sociedade tunisina quase não há analfabetos, muitos tunisinos acederam à classe média, difundiu-se o uso da internete, o casamento é monogâmico, a riqueza aumentou significativamente, mas a repressão policial era feroz.
Nos 23 anos que governou a Tunísia Ben Ali corrompeu-se. À mulher, Leila Trabelsi, 20 anos mais nova, parece ter tido função potenciadora da corrupção. A família alargada dos Ben Ali e dos Trabelsi passaram progressivamente a tornar-se donos das principais empresas do país, a exibir-se como novos ricos pretensiosos e, por isso, a suscitar o descontentamento popular que a polícia reprimia com dureza, o que possibilitava aos polícias extorquir aos cidadãos compensações para fechar os olhos, que entre polícias e ladrões é frequentemente indefinida a fronteira.
A crise financeira mundial de 2008 e a consequente grave crise económica de 2009, que se prolonga, agravaram as condições de vida da classe média tunisina, que é instruída, e mais dos mais pobres. Criaram-se condições para faísca social, mesmo que pequena e na periferia do país, vir a  desencadear tempestade política.
 Muhámede Buazizi era jovem e pobre. Vivia na pequena cidade de Sidi Buzide com família numerosa, órfão desde os 3 anos, em casa acanhada. Estudou, não tendo concluído licenciatura por ter que se lançar à vida como vendedor ambulante de fruta para alimentar a família, actividade que não conseguia legalizar.
Frequentemente a polícia lhe apreendia a fruta, ou exigia pagamento para fechar os olhos. No verão apreendeu-lhe, mais uma vez, a fruta e o carro em que a vendia.
 Em 17 de Dezembro de 2010 de novo os polícias lhe exigiram dinheiro para não voltar a tirar-lhe o carro e a fruta. Buazizi queixou-se no Município. Aí uma funcionária não aceitou a queixa e, perante a insistência, deu-lhe, em público, uma bofetada.
Buazini disse que ia queixar-se dela. A funcionária, de nome Feida, comentou: Quem vai dar ouvidos a um Zé Ninguém como tu? 
Buazini, em desespero, foi à próxima bomba de combustível, comprou cinco litros de gasolina, regressou à frente do Município, verteu-a sobre o corpo e incendiou-se. Tornou-se tocha humana a incendiar o país. O acontecido e as circunstâncias comoveram a cidadezinha de Sidi Buzide e rapidamente toda a Tunísia.
 O governo não se preocupou, que confiava na polícia para matar no ovo o protesto. Mas a tempestade política com início neste incidente havia começado. Pela internete os tunisinos souberam da tragédia humana e viram a imagem do jovem que se imolou em protesto. Ganharam coragem. Saíram à rua a protestar: «Fora Ben Ali. A liberdade conquista-se com sangue. A polícia é assassina. Não queremos os Trabelsi. Perdemos o medo.» Professores, funcionários, médicos, advogados juntaram-se aos protestos. Por toda parte milhares de tunisinos saíram à rua.
Ben Ali quis acalmar a tempestade política indo visitar em 28 de Dezembro de 2010 Buazizi no hospital, fazendo-se filmar com ele, coberto de ligaduras, como múmia,  símbolo de todas as vítimas da crise e da repressão, pelas televisões, incluindo, a Aljazira. Foi a internacionalização da tempestade política. Leila Trabelsi, a mulher do Presidente, sentindo o perigo, fugiu para o Dubai nos primeiros dias de Janeiro de 2011.
Acossado, em 14 de Janeiro de 2011, Ben Ali deixou Túnis, a capital. Mudou-se para Hamamet, a 60 Km, para se sentir mais seguro. Aí, com o povo na rua, entrou em desespero: Demitiu o governo e reconduziu-o a seguir; afastou o chefe do Estado Maior do Exército, o General Rachide Amar, porque recusou que os militares reprimissem os tunisinos, mas manteve-o em funções. Congeminou atentados à bomba nas principais cidades para os atribuir aos radicais islamitas, procurando que a ira popular mudasse de alvo. Incapaz de convencer quem o rodeava a opor-se ao levantamento popular, pressionado pela insurreição e medroso, fugiu para a Arábia Saudita nesse dia.
Com a fuga de Ben Ali começou na Tunísia novo ciclo político, o do processo revolucionário para redefinir o poder. Veremos como vai decorrer e que funções nele vai ter o exército.
Mas a tempestade política passou as fronteiras da Tunísia, alargando-se à Argélia, a Marrocos, à Jordânia, ao Iémen, onde os problemas sociais e políticos são semelhantes e os poderes têm procurado resistir pela repressão, e sobretudo ao Egipto onde os cidadãos deixaram de obedecer ao recolher obrigatório e o exército tem dado sinais de não querer reprimir o povo.
Desta convulsão nos países árabes vão sair debilitados os seus regimes autoritários, talvez alguns derrubados. Se Bush ainda fosse Presidente na América seguramente assistiríamos a forte barragem de propaganda noticiosa nas televisões a garantir que esta desordem é a porta aberta à Alcaida e que é preciso mão dura sobre o povo que não sabe o que é melhor para ele. O governo judaico de Israel está a fazer esse discurso. Com Obama no poder na América não está a acontecer o mesmo, apesar de a Senhora Clinton ter dado sinal de o querer fazer.
 É desejável que da convulsão resultem regimes democráticos,  não sendo de excluir que o fundamentalismo religioso islâmico ganhe o poder em alguns desses países, o que não tem que ser impedido por repressão e menos por interferência de outros países.

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