terça-feira, 5 de abril de 2011

Fim do socialismo real. Crise do capitalismo

Fim do socialismo real. Crise do capitalismo. Que modelo alternativo?

António Bica

            O capitalismo assenta no comportamento humano que é traduzido pela imagem de Adam Smith no livro “Riqueza das Nações”: “Não devo o meu almoço à generosidade do merceeiro, mas à sua vontade de ganhar dinheiro”.
            Os defensores do capitalismo partem dessa afirmação para outra: “O merceeiro que vender mais barato os produtos para o meu almoço é aquele a quem os comprarei. Assim beneficiarei tanto mais com a concorrência entre eles, quanto mais livres estiverem os merceeiros de regulamentos públicos sobre a sua actividade”.
            Este entendimento do capitalismo, além de ter levado a economia à grande crise de 1929 com falência, só nos EUA, de 2.500 bancos, tendo o mercado de acções então perdido 90% do seu valor, o desemprego subido para 33% e a produção perdido 20% do seu valor. A livre concorrência levou o sistema de economia capitalista à maior crise de sempre até então.
            Agora voltou a grande crise do sistema. Desde 2007 as bolsas nos EUA perderam 25%. Grandes bancos e outras instituições financeiras nos EUA e na União Europeia foram nacionalizados para não falir e os Estados e os bancos centrais estão aceleradamente a criar moeda em valor que ultrapassa já 1,5 milhões de milhões de euros e talvez chegue a 5 milhões de milhões.
            O desastre económico e financeiro de 1929 poderá não se repetir hoje com a mesma gravidade, porque se aprendeu com a experiência do passado. Mas é de esperar que a crise não acabe tão cedo. A de há 70 anos durou 5 anos. Esta já passou de 2, sendo previsível que dure mais um ou dois anos.
            A saída da crise está a ser feita com criação de moeda em enormes quantidades, o que vai levar a desvalorização acelerada dos depósitos bancários com redução real dos rendimentos fixos (salários e pensões). Vai ser essa a forma de distribuir por todos cidadãos a gigantesca fraude financeira estadunidense estimável em 5 milhões de milhões de títulos “tóxicos”, que não são mais que ar e vento.
            Há que reflectir sobre o colapso do modelo do chamado “socialismo real”, no início da década de 1990 na União Soviética e nos países que seguiam o seu modelo político e económico, e reflectir sobre as crises do capitalismo que se repetem em ciclos de cerca de 10 anos e nas catastróficas crises do capitalismo que se repetem em espaços de tempo de muitas dezenas de anos.
            A afirmação de Adam Smith sobre as razões que levam o merceeiro a vender a quem lhe quer comprar merece ser tida em conta. A economia desenvolve-se movida pelo interesse de cada um em ter comida, abrigo, segurança e saúde. Mas não se pode deixar que cada um o procure fazer sem respeitar princípios básicos de equidade e justiça. cabe à sociedade organizada, isto é, ao Estado, assegurar que esses princípios básicos sejam respeitados.
            Assim o poder deve procurar criar adequadas condições, deixando e mesmo promovendo que cada um procure o melhor para si com equidade e justiça, sem deixar que os menos capazes caiam no desamparo ou exclusão, função esta que deve ser garantida pelo poder público. A construção da sociedade mais justa é em primeiro lugar tarefa de cada um de nós os que pensamos que assim deve ser, cabendo ao poder definido periodicamente por todos os cidadãos por eleições livres e periódicas procurar criar as melhores condições para isso.
            A cada um cabe procurar o melhor para si pelo trabalho, que por ele se conquista a segurança pessoal, que o sentimento mais angustiante é o de insegurança de vida.
A produção de bens organiza-se em base económica e não em base moral. Isso significa que ambas as partes (o empregador e o trabalhador) devem poder livremente pôr fim, por razões económicas, à relação de trabalho com indemnização para o trabalhador, se a decisão for do patrão (sendo razoável a regra de um mês por cada ano de trabalho). Isto é necessário para que a economia tenha boa flexibilidade, que toda a rigidez é entrave ao progresso.
Se a motivação para o despedimento não for económica, deverá haver penalização (indemnização agravada se a causa tiver origem em facto do empregador, perda de indemnização se com origem no trabalhador).
Sendo o trabalho a segurança de vida do trabalhador, há que resolver o conflito entre o direito do trabalhador à segurança de vida e a flexibilidade da economia. Isso poderá ser assegurado pelo trabalho em empresas de emprego social a organizar a nível municipal financiadas com dinheiro do sistema de segurança social, substituindo o pagamento de subsídio de desemprego.
O trabalho em empresas de emprego social não seguirá a lógica da racionalidade económica, mas a de garantir ocupação socialmente útil a todos os trabalhadores temporariamente fora do sistema de produção, em actividades de apoio a associações culturais, desportivas, ambientais, de apoio social e semelhantes nas suas actividades não lucrativas. Assim esses trabalhadores produzem e evita-se a fraude que todos os sistemas de subsídio proporcionam.
O principal factor de progresso social e civilizacional é o desenvolvimento da economia com crescimento da riqueza colectiva. O desenvolvimento da riqueza colectiva é factor decisivo para o avanço das sociedades humanas no caminho da democracia e da solidariedade.
São as condições para que haja desenvolvimento da economia, por ordem de prioridade:
- Promoção do conhecimento científico pela investigação.
- Aquisição permanente de conhecimento por todos.
- Cuidados básicos de saúde para todos.
- Não deixar cair ninguém no desamparo e na exclusão.
- Definição do poder público, a todos os níveis, por todos os cidadãos, por eleições periódicas livres.
- Fazer assentar, tanto quanto possível, a organização da sociedade em automatismos, de modo que a necessidade de intervenção da autoridade pública se reduza ao mínimo, devendo sobretudo procurar criar condições para o melhor funcionamento dos automatismos.
- Assegurar condições para a máxima mobilidade económica e social.
- Respeitar os direitos constantes da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
- Ter em conta que, enquanto houver escassez de bens, cada um terá que ser remunerado segundo o seu trabalho, o que foi defendido pelos teóricos clássicos do socialismo, que só para as sociedades de super abundância (o utópico comunismo) defenderam: de cada um segundo as capacidades, a cada um segundo as necessidades.
O contínuo desenvolvimento económico não pode levar ao desequilíbrio irreversível do ambiente, tornando impossível a vida humana na Terra, que a economia é a produção de bens (objectos e serviços) para benefício dos seres humanos. Toda a acção económica que se desviar disso é perversão da economia, como é a fraude nos negócios, a falsificação de mercadorias, a fuga aos impostos em regimes políticos democráticos.
Os que lucram com essas perversões da economia podem levar a desequilíbrios irreversíveis, devendo ter-se em conta que a produção industrial de comida tem levado à degradação das condições de saúde das populações por desequilíbrio alimentar de que a manifestação mais visível é a progressiva tendência para a obesidade;
o uso excessivo de combustíveis fósseis tem contribuído para o aquecimento global da Terra;
a produção de numerosos (e em grandes quantidades) complexos produtos químicos tem contribuído para desequilibrar o clima e mesmo a biologia dos seres vivos;
a escandalosa produção e utilização de armamento clássico, químico (não esquecer o uso de famoso «agente laranja» no Vietnam pelo exército norteamericano), biológico,  atómico e outros têm causado mortes, doenças e malformações em humanos e outros seres vivos;
            as fraudes na qualidade dos bens, os subornos, o uso de “paraísos fiscais”, o contrabando, a fuga aos impostos e outras práticas económicas desonestas são factores de prejuízo para o desenvolvimento económico, não podendo ser tolerados.
Os grandes meios de comunicação social, nas mãos dos grandes interesses hegemónicos que controlam a economia e a política dos Estados, procuram levar os cidadãos a pensar e a agir em conformidade com os interesses dos que os controlam, e a aceitar as práticas iníquas e mesmo criminosas que demasiadas vezes usam.
A contínua luta popular por direitos económicos e políticos levou progressivamente à conquista do direito de cada cidadão participar na definição do poder político por eleições livres e periódicas. É conquista tão importante no caminho da humanidade para organização mais justa como a da abolição da escravatura. Por outro lado o desenvolvimento científico e tecnológico possibilitou, aos que controlam política e economicamente os Estados, adquirir e usar técnicas de controle da opinião pública através dos grandes meios de comunicação social e das universidades que tendem a estar ao serviço de quem lhes paga.
Os que controlam a economia e por via dela a política são os que usam os meios para condicionar o pensamento e o comportamento dos cidadãos por cujo voto se define o poder, para que não lhes fuja das mãos.
Sendo assim não restará senão procurar tomar o poder por outros meios para substituir a definição do poder político através do voto universal e periódico por formação política capaz de impor organização económica e política que garanta a igualdade efectiva de todos.
Mas esse objectivo político nunca pode levar a sociedade justa, porque esta se funda na concepção de que todos os homens são iguais por natureza. Consequentemente não se pode aceitar que o poder político se defina de outro modo senão pela vontade livre e periodicamente manifestada por todos.
Não respeitar esse princípio é aceitar que o domínio político pelos mais poderosos sempre que julgam correr o risco de perder o poder, como, por exemplo, aconteceu na Europa, na primeira metade do século 20, com o derrube de regimes democráticos para impor regime ditatoriais fascistas e nazis, e como aconteceu, depois disso, em muitos outros países, de que apenas se cita, como exemplo, o escandaloso caso do Chile em 11 de Setembro de 1973, em que Pinochet derrubou pela força o legítimo poder democrático que jurara defender.
A organização da sociedade deverá assentar, tanto quanto possível, em automatismos, de modo que a intervenção da autoridade pública se reduza ao mínimo. Para isso é necessário criar mecanismos de autocorrecção social,.
Que uma sociedade humana é demasiado complexa para poder ser entendida por uma parte dela em termos de essa parte ser capaz de determinar o funcionamento e o evoluir sem contradições.
Até agora as sociedades humanas evoluíram de forma não dirigida. O seu progresso tem resultado de leis que nos últimos séculos e neste se têm procurado determinar.
Mas estamos longe de conhecer todos os complexos mecanismos do funcionamento e do evoluir das sociedades humanas e provavelmente nunca se conhecerão completamente, não obstante o contínuo progresso nesse sentido.
É desejável que as sociedades sejam flexíveis, evoluindo sem roturas causadoras de grandes prejuízos.
Não sendo possível determinar completamente o evoluir e o funcionamento das sociedades por desconhecimento da sua complexidade, a organização das sociedades terá que procurar facilitar a flexibilidade com os mecanismos de autocorrecção económica e social de modo que as alterações se tendam a processar de modo imediato ou quase imediato com o mínimo de intervenção da autoridade pública e consequentemente sem rupturas.
A autoridade pública terá assim que intervir fundamentalmente para, pela investigação, aprofundar o conhecimento das leis que regulam o funcionamento e o evoluir das sociedades e, na base desse conhecimento, aperfeiçoar continuamente os mecanismos sociais de autocorrecção. Só nos casos em que os mecanismos de autocorrecção não resolverem as disfunções sociais e económicas é que se tornará preciso intervir para procurar resolvê-las e aperfeiçoar os mecanismos de autocorrecção de modo que, no futuro, solucionem o mesmo tipo de contradições.
O trabalho baseia-se em relação de natureza económica e não moral. Há que o organizar de modo a levar à máxima produtividade com justiça.
Um trabalhador que vende a sua capacidade de trabalho a outra pessoa procura vendê-la bem, isto é receber por ela remuneração tão alta quanto possível. Como o comprador da capacidade de trabalho tem necessidade de a transformar em bens, procura que a produção de bens por cada trabalhador seja tão grande quanto possível. É o que se designa por produtividade: a relação entre o tempo de trabalho e a quantidade de bens produzidos.
De que depende a produtividade? Fundamentalmente de três circunstâncias: a tecnologia usada na produção, o grau de conhecimentos do trabalhador e o seu empenhamento pessoal.
Quanto à tecnologia usada, ela é decidida pelo empregador, dependendo apenas dele. O empregador é que decide, ao, por exemplo, pôr o trabalhador a fazer cópias de documentos, se compra para isso fotocopiadora, se máquina de escrever, ou se as cópias são escritas à mão.
No caso da construção de uma estrada, o empresário é que decide se vai nela utilizar a melhor e mais potente maquinaria de escavação e de transporte de aterro, ou se a construção vai ser feita a pá e picareta e o transporte do aterro em carros de mão.
Como decorre destes dois exemplos, a produtividade de cada trabalhador é muitíssima maior se a tecnologia que o empregador usar for a melhor.
A produtividade dos trabalhadores depende fundamentalmente da tecnologia que for usada no processo produtivo, sendo a escolha da tecnologia da responsabilidade do empregador. Se o empregador não usar a melhor tecnologia é por rotina, desconhecimento, ou por não querer fazer o necessário investimento.
O grau de conhecimentos do trabalhador é também factor significativo para a produtividade. Mas as habilitações de cada trabalhador são definidas pelo empregador quando o contrata, podendo exigir as habilitações que entender como condição para contratar. Se, depois de ter empregado o trabalhador, quiser que ele melhore os conhecimentos tecnológicos, compete ao empregador fazer a preparação profissional do trabalhador com cursos adequados.
Há finalmente que referir o empenhamento pessoal do trabalhador, que resulta da relação que se estabelecer entre o trabalhador e o empregador. Há empregadores que consideram que para obter boa produtividade devem ser rudes e às vezes brutais com os trabalhadores, procurando assim forçá-los a produzir o mais possível. A normal tendência do trabalhador, que vende a sua capacidade de trabalho por uma quantia periódica mensal fixa e independente do que produz durante o correspondente período de tempo, é esforçar-se o menos possível, dando o mínimo de empenhamento em troca da remuneração, se ela não variar em função da quantidade de bens produzidos. Os empregadores mais inteligentes, em vez de usar métodos ríspidos e repressivos, procuram usar critérios de remuneração que tenham em conta o grau de empenhamento dos trabalhadores, remunerando-os em função desse empenhamento e do que produzirem, o que corresponde ao princípio a cada um segundo o seu trabalho.
            Não se pretende com isto mais do que reflectir sobre o aprofundar da democratização das sociedades e a maximização do desenvolvimento económico em bases equitativas e justas.

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