terça-feira, 5 de abril de 2011

a origem da geração à rasca

A origem da geração à rasca
António Bica

Com o ministro Veiga Simão o ensino pós-primário até ao superior abandonou o sector profissionalizante, tendo eliminado as escolas comerciais e industriais. Assim o ensino foi organizado de modo a encaminhar todos os alunos para o ensino superior.
A medida foi bem acolhida pelas camadas sociais de que saíam os alunos dessas escolas, que sempre foram vistas como destinadas aos filhos das famílias mais pobres.
Esta reforma Veiga Simão foi mantida pelos governos pós 25 de Abril, que nenhum partido quis, julga-se que bem, regressar à diferenciação anterior a Veiga Simão, nem teve a lucidez de prever que, não recebendo os alunos do pós-primário até ao superior preparação profissionalizante, haveria duas consequências prejudiciais:
A primeira para os alunos que abandonassem o ensino ou sem concluir o pós primário ou sem ingressar no superior.
A segunda para a economia, a que passou a faltar oferta de profissionais de formação não superior, tendo que admitir trabalhadores sem formação profissional, à espera que aprendessem trabalhando, com a consequente ineficiência.
O sistema de ensino depois de Veiga Simão, com o melhorar das condições de vida dos portugueses pós 25 de Abril, levou a forte procura do ensino superior. A resposta a isso pelo ministro socialista Cardia não foi a que deveria ter sido:
 Repensar o ensino pós-primário até à entrada no superior e, sem regressar ao sistema anterior a Veiga Simão, preparar os alunos para entrar no ensino superior e simultaneamente para exercer as múltiplas profissões indispensáveis à economia que não exigem preparação superior (electricistas, mecânicos, carpinteiros, contabilistas e tantas outras), se viessem a optar por não ingressar no ensino superior.
Em vez disso o ministro socialista Cardia afunilou a entrada no ensino superior, estabelecendo para cada curso limites quantitativos, sem se preocupar com a formação profissional dos que não entrariam no ensino superior e tinham necessidade de exercer uma profissão.
A este erro a merecer palmatória seguiu-se o do governo de Cavaco Silva, que, para responder à enorme procura do ensino superior pelos alunos que não entravam nas Universidades até então todas públicas, permitiu a livre criação de Universidades privadas sem suficientes fiscalização e controle de qualidade.
Isso, tendo feito baixar muito a qualidade da formação académica dos licenciados nas Universidades privadas, levou ao excesso de oferta de licenciados para a correspondente disponibilidade de empregos para esse nível de formação e à falte de profissionais habilitados com formação não superior.
Os empregos que não exigem formação superior, com a falta de oferta por nacionais mediante salários que os emigrantes aceitavam, passaram a ser ocupados por não nacionais (brasileiros, nacionais das ex-colónias, ucranianos e outros).
Entretanto, há cerca de duas décadas, começaram a ser criadas escolas de formação profissional destinadas aos alunos que abandonaram o ensino pós-primário. Foi solução insuficiente e inadequada por sofrer do estigma de diferenciação social que marcaram durante o salazarismo as escolas comerciais e industriais. Os alunos dessas escolas tendem a ser vistos como menos capazes por terem abandonado o ensino de preparação para entrada no superior.
Assim se foi caminhando de erro em erro no que respeita ao ensino em Portugal desde a reforma Veiga Simão. Em regra as adequadas reformas políticas só são feitas, ou por revolução (quando a casa vai abaixo) ou tarde e a más horas (quando uma trave está podre). É que, na política sempre acontece como, criança, ouvi dizer a uma sensata velhinha comentando o desconcertos da vida: «tudo vai como vai, nada vai como deve.»
Em 12 de Março a geração dos muitos novos licenciados sem emprego desceu à rua em Lisboa e em muitas outras cidades do país. Foram acompanhados por numerosos pais. Uns e outros estão frustrados. Os filhos porque não encontram trabalho, os pais porque esperavam para os filhos o bom e estável emprego que, quando eram jovens, uma licenciatura garantia.
A muitos jovens licenciados se ouviu na manifestação: «vou emigrar». Em Portugal, hoje, porque se não planeou adequadamente o sistema de ensino, desde o início da década de 1970, gastam-se milhões e milhões a formar licenciados que, não encontrando agora no país a saída profissional que querem, terão que emigrar. Assim está Portugal a preparar trabalhadores qualificados com formação superior para os deixar ir para os países mais ricos enquanto lhe falta trabalhadores com adequada formação não superior.
A falta de preparação profissional pelos jovens que abandonaram o ensino pós-primário levou à falta de trabalhadores portugueses para empregos que não exigem formação superior e à imigração para Portugal de trabalhadores de outros países, o que tem contribuído para manter baixos os salários nesses empregos.
Acresce a isto a crise das finanças públicas que a Alemanha nos está a impor (como a outros países da zona euro) para salvaguardar o valor do euro e com ele a imensa riqueza em moeda acumulada pelos bancos, as empresas e os particulares alemães.
É de todo o país este enrascanso e não só da geração à rasca que se manifestou em 12 de Março de 2011, convocada pelos modernos meios de comunicação social.
Está à rasca, mas é instruída e culta. Talvez por isso não tenha descambado em violência urbana.      

Sem comentários:

Enviar um comentário