terça-feira, 5 de abril de 2011

Líbia - As mudanças políticas nos países árabes estão a chegar à Líbia

As mudanças políticas nos países árabes estão a chegar à Líbia
António Bica

A Líbia é país do norte de África a marginar o Mediterrâneo com grande superfície (1.759.500 km2) e pequeno número de habitantes (6.500.000).
O país é na maior parte desértico, por chover nele muito pouco. O deserto do Sahara chega ao Mediterrâneo no Golfo de Sirte. Na zona costeira ocidental, onde se situa Trípoli e outras cidades, e na região marítima oriental, a Cirenaica, com a segunda maior cidade, Bengási, e outras, como Tobruque, onde ocorreram duros e decisivos combates na 2ª Grande Guerra entre alemães e ingleses, a pluviosidade é maior, possibilitando a actividade agrícola. Nesta região oriental o planalto de Barca é o mais fértil. No país só cerca de 10% da superfície é agricultável.
No deserto há escassos oásis onde é possível agricultura por aflorar neles água subterrânea resultante das raras chuvas no deserto que se infiltram (Fezan, Cufra e Audjila-Djarabube).
A região da Líbia integra a civilização mediterrânica desde a mais remota antiguidade com influências do Egipto, da Fenícia, da Grécia e depois de Roma. Com o império romano tornou-se cristã e, com a invasão árabe no século 7 da nossa era, passou ao islamismo, que mantém sob forma suni.
Passou então a integrar o califado e muito mais tarde o império turco de que fez parte até aos tempos modernos. Em 1912 a Itália ocupou o território que é hoje a Líbia, onde se manteve até ser expulsa durante a 2ª Grande Guerra. Em 1949 a ONU reconheceu o direito á independência do país, que passou depois a ser governado por monarquia, de que  passou a ser rei Muhámade Idris.
A monarquia foi pressionada a ceder bases militares aéreas aos americanos e aos ingleses perto da capital, Bengási, e marítimas em Tobruque, junto a fronteira oriental com o Egipto.
No início da década de 1960 foram encontradas no país significativas reservas de petróleo.
Pelo fim dessa década, em 1969, alguns militares, de que se destacou Muamar Kadáfi, seguindo o movimento político libertador nos países árabes iniciado com o fim da monarquia no Egipto em 1952, puseram fim ao regime monárquico. Aliou a sua tribo, a Kadafa, daí o seu nome Muamar Kadáfi (da tribo Kadafa) às outras duas maiores, a Magara e a Uarfala, que é a mais numerosa, com cerca de um milhão de pessoas
Kadáfi pôs termo às bases militares na Líbia, o que lhe valeu a hostilidade americana. A exploração de petróleo permitiu a autonomia económica do país até então dependente da agricultura nas escassas áreas cultiváveis e do aluguer das bases militares aos americanos e aos ingleses.
A maior parte da população líbia identifica-se pela tribo que considera integrar. Por ser região pouco povoada e de escasso interesse económico  a sua integração no império romano não esbateu a identidade tribal como aconteceu na generalidade do império.
 Com a conquista árabe no século 7 e o posterior domínio do califado continuou, pelas mesmas razões, a manter-se a identidade tribal, o que foi  bem tolerado por os árabes,  anteriormente à então recente conversão ao islão, se organizarem em tribos. O país tem diversas tribos que se repartem pelas três grandes regiões líbias: A Tripolitânia no noroeste, junto à Tunísia e ao mar, a Cirenaica, a nordeste, junto ao Egipto e também ao mar, e  Fezan, região desértica, onde se situa o oásis do mesmo nome, no sudoeste.
Tão forte é a identidade tribal que Kadáfi procurou respeitar  essas identidades, distribuindo entre as tribos parte significativa dos rendimentos do petróleo e os cargos políticos e militares de relevo, não assumindo título (Presidente ou outro) que pudesse ser entendido como sinal de supremacia da sua tribo sobre as outras, senão o de Guia.
O rendimento do petróleo e este equilíbrio de poder e interesses entre as tribos permitiram a Kadáfi ultrapassar a hostilidade americana, o bombardeamento americano de Tripoli pelos EUA na década de 1980 e a influência política e religiosa dos movimentos fundamentalistas islâmicos que os americanos fomentaram nos países árabes, desde o fim da década de 1950 ao início da década de 1990, para os opor aos regimes nascidos do renascimento político árabe do início da década de 1950 de que se destacou o de Nasser no Egipto.
Mas o mundo sempre está em mudança. Com a revolução na Tunísia e depois no Egipto no início de 2011, o poder de Kadáfi começou a ser contestado. Em 17 de Fevereiro de 2011, em Bengási, no oriente do país, onde domina a tribo Uarfala, houve manifestação política pacífica pelo fim do regime, na sequência da detenção em Bengási do advogado, Féti Tarbel, representante das cerca dos 1200 presos políticos executados na prisão de Abu Selim em 1996.
 A reacção foi dura, tendo morrido cerca de 600 manifestantes. Em consequência desta e das manifestações que se seguiram, houve significativas deserções militares, de ministros e de diplomatas, o que se deveu às suas origens tribais diferentes da de Kadáfi.
A perda do controle por Kadáfi de toda a região oriental, onde domina a tribo Uarfala que se separou de Kadáfi, e  boa parte de outras cidades deve-se a aí a tribo de Kadafa ter menor peso demográfico e poder. Na parte oriental do país o regime perdeu as cidades de Bengási (segunda maior cidade), Tobruque, Darna, Adjabia, Shahat e Al Baida. Na parte ocidental perdeu Zuara, Zaulia e Misurata.
Em 20 de Fevereiro, o filho de Kadáfi, Saif Al Islam, em declaração  de reacção segundo valores tribais, prometeu resposta com rios de sangue.
Instalou-se na Líbia guerra civil que parece ter carácter tribal, embora não pareça que a ONU, a Europa e os EUA tenham tomado disso suficiente consciência, o que pode levar a incorrecta análise das circunstâncias do conflito e a inadequada gestão dele. Kadáfi  está entrincheirado em Tripoli, a capital,   a desencadear ofensiva militar contra as cidades de que perdeu o  controle.
 Em consequência da luta numerosos imigrantes no país deixaram-no, a produção e a exportação de petróleo baixaram fortemente, o que levou o mercado, temeroso, a subir os preços.
O mundo reagiu preocupado. Ainda não saiu da crise e económica e financeira de 2008 e 2009. Esta subida de preços do petróleo pode debilitar a economia mundial. A ONU, pelo Conselho de Segurança, aprovou resolução contra o regime de Kadáfi, na esperança de o fazer cair brevemente. Os principais países da Europa e os  EUA imobilizaram os meios financeiros líbios nos seus países. Os navios de guerra americanos aproximaram-se da costa líbia. A Inglaterra propôs a imobilização da aviação líbia, o que tem que ser precedido de destruição prévia por bombardeamento dos meios anti-aéreos do país, podendo isso levar ao reagrupar das tribos líbias à volta de Kadáfi. O desembarque de tropas estrangeiras será solução pior.
Se os EUA ou a Europa quiserem influenciar a evolução política líbia, não poderão senão usar a pressão política e fornecer armamento às tribos que se opõem a Kadáfi, sem a certeza de, se vencerem, virem a democratizar o país.
A subsistência na Líbia da organização tribal está a levar a que o levantamento político contra o regime seja atravessado por clivagens dessas identidades, podendo impedir solução política do tipo da tunisina e da egípcia, embora o elevado nível de instrução das gerações mais novas na Líbia possa fazer esperar o esbatimento da cultura tribal e suficiente emancipação da influência religiosa fundamentalista.
A líbia tem reservas de petróleo  e de gás significativas. As percentagens dessas reservas   em relação às mundiais são de  3,3%  (petróleo) e de 0,4% (gás). Apesar de não muito grandes, a forte redução da exportação de petróleo e de gás líbios está a pôr nervoso o mercado de energia, em altura em que também o está o dos bens alimentares, e a ameaçar a economia mundial com nova crise energética como  a que resultou da guerra de 1973 entre o Egipto e Israel e, nos anos de 1980, da guerra entre o Iraque apoiado pelos EUA e o Irão.
A Europa e os EUA estão a começar de ficar temerosos de que esta onda política no mundo árabe se alargue à Arábia Saudita, que tem cerca de 20% das reservas mundiais de petróleo. Se nesse  país a contestação política interromper ou fizer reduzir significativamente a exportação de petróleo, o seu preço irá seguramente ultrapassar 200 dólares, talvez aproximar-se de trezentos.
 O mundo sempre muda e cada vez mais aceleradamente, o que parece resultar do desenvolvimento tecnológico, do consequente aumento da riqueza  e do incremento e massificação do ensino necessário à integração das populações nos inovadores processos produtivos industriais e de serviços.
É de saudar a renovação do mundo, que, com avanços e retrocessos, está a levar a humanidade a viver cada vez melhor.

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