terça-feira, 5 de abril de 2011

A crise do euro e a defesa da riqueza em capital financeiro

A crise do euro e a defesa da riqueza em capital financeiro

António Bica

Com o colapso, em fins da década de 1980 e início de 1990, da União Soviética e dos países cuja política era por ela influenciada, a Alemanha Federal, conhecida por Alemanha Ocidental, anexou a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental).
Seguiram-se 10 anos difíceis para a Alemanha resultantes da anexação ter sido feita sem período de transição.
Nesse tempo, a Alemanha, acabados os regimes socialistas a leste, justificando com a necessidade de integração da Alemanha Oriental, levou os seus trabalhadores a aceitar não aumentar os salários e reduzir os apoios sociais.
No início da década de 2000 estavam ultrapassadas as dificuldades resultante da integração da Alemanha Oriental.
Então a Alemanha e grande número de países da União Europeia adoptaram moeda única, o euro.
A Alemanha continuou a política de estabilidade de salários e de apoios sociais. A reorganização económica dos países a leste da Alemanha, depois do colapso da União Soviética, estimulou as exportações alemãs.
Os países mais pobres da União Europeia (Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha), com a entrada na zona euro, estimulados pelos juros bancários baixos possibilitados pela adesão ao euro, deixaram que o recurso ao crédito se expandisse fortemente ao consumo, à construção de casas, ao desenvolvimento da infra-estruturas públicas e ao financiamento dos défices públicos orçamentais, o que estimulou as exportações alemãs para esses países.
Assim, na Alemanha, em consequência dessa política de contenção salarial e de benefícios sociais, o aforro cresceu. Entre 2002 e 2009 foi o aforro de 1,6 milhões de milhões de euros. Desse enorme montante, 1 milhão de milhões foi pelos alemães (famílias, empresas e bancos) investido no estrangeiro em empresas, casas e compra de acções, obrigações e dívida pública.
Grande parte desses investimentos foi feita na Grécia, na Irlanda, na Espanha e em Portugal.
Isso, conjugado com a onda de neoliberalismo económico e financeiro dominante, levou esses países ao excessivo endividamento dos bancos e a forte crescimento da dívida pública.
Com a crise económica de 2009 que se seguiu à financeira de 2008 os créditos restringiram-se. Nesses países (Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal) os bancos passaram a ter dificuldade em financiar-se junto de outros e os governos a ter que pagar juros cada vez mais altos para financiar os seus défices orçamentais.
Nos países (sobretudo a Espanha), onde havia grande construção de casas para férias destinadas a estrangeiros, a procura sofreu forte redução.
A solução clássica para este tipo de crise, que foi usada na resposta à Grande Depressão económica de 1929 e agora seguida principalmente pelos EUA e pelo Japão, foi a de emissão de moeda para estimular a procura de bens e os investimentos públicos.
Dessa medida resulta a elevação dos preços com desvalorização da moeda, que o aumento da quantidade de moeda sem ser acompanhado de proporcional crescimento da produção de bens gera inflação. A Alemanha, cuja economia não foi afectada pela crise de 2009, continuando a exportar bastante mais do que importa e sem dificuldade de crédito, e tendo as suas empresas e bancos e os seus cidadãos muita riqueza acumulada em capital financeiro, é prejudicada pela inflação na zona euro de que faz parte.
Sendo significativa parte da riqueza alemã capital financeiro representado por euros, não lhe convém que na zona monetária que integra haja inflação com desvalorização do euro. Isso levaria a que a riqueza financeira detida pelos alemães se desvalorizasse na proporção do aumento da moeda em circulação.
Por isso o governo alemão insiste em que o Banco Central Europeu não emita moeda para fazer sair da crise de financiamento os países endividados da zona euro, que estão a ser forçados a reduzir nominalmente o poder de compra dos seus cidadãos para superar a sua crise de financiamento.
Em Portugal não se havia tomado medidas de redução nominal dos salários desde os primeiros anos do governo de Salazar.
Parece ser, pela primeira vez na História, sobreposição dos interesses dos detentores da riqueza em moeda aos dos demais cidadãos do mesmo espaço monetário.
O peso económico e político da Alemanha está a impô-lo.        

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