terça-feira, 5 de abril de 2011

A democratização chegou ao Egipto

Depois da Tunísia o caminho para a democratização chegou ao Egipto

António Bica

Com a fuga do presidente da Tunísia, Ben Ali, em 14 de Janeiro de 2011, e o início do processo de transição  para a democracia no país, o movimento revolucionário ganhou força no Egipto.  A manifestação popular permanente na grande Praça Taghrir (Libertação) iniciou-se em 25 de Janeiro de 2011.
Por todo o país as manifestações pela demissão do presidente Mubáraque, havia 32 anos no poder, e o fim da sua tentativa de passar o poder ao filho, sucederam-se.
O poder reagiu mandando a polícia reprimir. Muitos manifestantes morreram, talvez mais de trezentos, o que aumentou a oposição ao governo de Mubáraque. Ocorreu tentativa de pilhagem do Grande Museu do Cairo, onde se conservam os mais importantes vestígios arqueológicos da multimilenar civilização egípcia, que chegou a causar prejuízos; alguns assaltantes tentaram vandalizar a Biblioteca de Alexandria construída com patrocínio da Unesco; milhares de presos comuns fugiram das prisões.
Os manifestantes pela partida de Mubáraque e a democratização do país suspeitaram de manobra do regime para o governo lhes atribuir essas acções e justificar o endurecimento da repressão. Reagiram, defendendo o Museu do Cairo e a Biblioteca de Alexandria e denunciando a manobra. Com a incapacidade para reprimir o povo o regime apelou aos militares, mas o Exército saiu à rua sem reprimir a multidão que se manifestava. O regime, incapaz de reagir com dureza, nomeou um vice-presidente, Omar Suleiman, com o que deu sinal de que Mubáraque desistia de lhe fazer suceder o filho e admitia negociar.
Mas o povo não se deixou iludir. Continuou a manifestar-se. Na grande Praça Taghrir, no Cairo, manteve-se em manifestação permanente, sem o Exército, que controlava as ruas, intervir. O governo tentou nova manobra. Organizou contra-manifestação com gente pró-Mubáraque, que o povo considerou ser polícia disfarçada, para agredir os manifestantes. Apesar de causar muitos feridos, a manobra foi abortada pela oposição corajosa dos manifestantes.
O êxito da revolta popular da Tunísia contra a ditadura do presidente Ben Ali havia-se alargado assim  aos países árabes. No Egipto  tomou a dianteira. Não lhe faltou um mártir do regime como o que incendiara a Tunísia. Calede Said era um jovem de cerca de 20 anos que costumava usar a internete num ciber-café de Alexandria. No verão de 2010 a polícia entrou,  arrastou-o para a rua e espancou-o até o deixar morto. A notícia chegou pela internete aos milhões de jovens  e menos jovens que no Egipto comunicam pela internete.
Seguindo o exemplo dos tunisinos, os que usam a internete responsabilizaram pelo assassínio o presidente Egípcio e o seu regime de ditadura.
Apesar da repressão policial perseguir todos os opositores políticos e de tentar desmantelar as tentativas de organização política, a movimentação pela internete foi potenciada por algumas pequenas organizações clandestinas como o Movimento 6 de Abril criado na sequência da greve industrial de 2008 e o partido Gade (Amanhã).
Com a revolução na Tunísia começaram as manifestações populares que se alargaram ao Egipto em 25 de Janeiro de 2011 mobilizadas sobretudo pela internete. O governo reagiu bloqueando-a em 27 de Janeiro, o que descontentou todos os que a usam para fins não políticos e fez engrossar o movimento de oposição ao regime.
Os manifestantes ao aperceberem-se de que o regime procurava criar insegurança e caos para determinar o Exército a reprimi-los, colaboraram com os militares na defesa do Museu do Cairo, da Biblioteca de Alexandria e de outros locais públicos, como centros comerciais. E não se deixaram dividir entre eles, antes  procurando a unidade de todos os opositores à ditadura.
A economia no Egipto entrou em forte redução. Os turistas abandonaram o país e deixaram de entrar. As greves alastraram, incluindo nas empresas que servem o Canal de Suez. Em 8 de Fevereiro  de 2011, o regime, vendo que os manifestantes não abandonavam as ruas e a paralisação económica estava a causar graves prejuízos económicos, mandou o vice-presidente Suleiman à televisão declarar: «A crise tem que acabar.» Mas os protestos continuaram.
A 10 de Fevereiro foi anunciada comunicação de Mubáraque ao país. Todos esperavam que anunciasse a demissão. Como se não fosse responsável por nada disse: «Falo-vos como pai, para filhos. Tenho orgulho de vós. Quebram-me o coração os que morreram. Os responsáveis pelas mortes serão punidos. A crise está a causar enormes prejuízos.» Na sequência anunciou continuar no poder até às eleições presidenciais de Setembro. Falou em tom paternal, com aspecto, nos seus 86 anos, de, por operação plástica e pintura de cabelo,  ter 40.
A hipocrisia e o apego ao poder enfureceu o povo: «Vai-te, vai-te» foi gritado por todos. Ninguém saiu das ruas. No dia seguinte, 11 de Fevereiro, era sexta-feira, equivalente, nos países islâmicos ao domingo cristão. Mubáraque viu que a farsa não desmobilizara o povo. Mandou o vice-presidente Subeiman anunciar que se demitia e entregava o poder às Forças Armadas. Dezassete dias depois de 25 de Janeiro de 2011 a ditadura de 32 anos de Mubáraque caiu.
O comando militar egípcio anunciou, em, comunicado, que vai ter em conta as reivindicações populares sem querer substituir-se à legitimidade desejada pelo povo.
É declaração a ter em conta como provavelmente credível, que o principal líder militar egípcio,  marechal Hussein Tantawi, terá anteriormente comentado a atitude do exército tunisino de não reprimir o povo: «O exército defende a nação, não um regime».
 No Egipto, como na Tunísia, as camadas sociais médias com instrução, aspirando viver em democracia com desenvolvimento económico e em liberdade, derrubaram a ditadura.É de esperar que noutros países árabes seja seguido o exemplo da Tunísia e do Egipto.
O movimento revolucionário na Tunísia e no Egipto pela liberdade e a democracia, que parece continuar em fermentação nos países árabes, confirma que o evoluir histórico sempre é complexo e surpreendente, embora se verifique que a sua força impulsionadora tem a matriz comum de, quando largas camadas do povo se sentem oprimidas e impedidas de lutar pela justiça, mais cedo ou mais tarde, um acontecimento quase sempre imprevisível  galvaniza o povo para a luta a derrubar do poder quem o oprime.  

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