terça-feira, 5 de abril de 2011

Os partidos de esquerda

Os partidos de esquerda (PCP e BE) não podem querer ser frente sindical
António Bica

Nas democracias actuais o direito de voto é reconhecido a todos os cidadãos para em liberdade e segundo regras transparentes elegerem quem vai exercer os diversos cargos do poder político por tempo limitado e governar o país.
O fundamento desse direito está no pressuposto da igualdade estrutural ou ontológica de todos os cidadãos. Entre iguais a forma mais natural e justa de legitimar o poder de quem governa é a escolha pelos seus pares, isto é por todos os cidadãos.
Em democracia os cidadãos agrupam-se livremente nos chamados partidos para propor periodicamente aos eleitores programas de governo e candidatos a ser eleitos para os executar.
Sendo económica e socialmente complexas as sociedades modernas e consequentemente distintos os interesses dos cidadãos, os partidos tendem a organizar-se em função dos interesses das camadas sociais que se propõem representar.
Os interesses políticos dos cidadãos que vivem predominantemente do seu trabalho por conta de outro são defendidos pelos partidos tradicionalmente designados «de esquerda». Os dos cidadãos que vivem de actividades comerciais, industriais, agrícolas e de rendas  tendem a ser defendidos pelos partidos «de direita».
Com o surgir da produção industrial de bens no século 18 e a sua posterior progressiva generalização e intensificação cresceu muito a riqueza produzida. Porque as técnicas de produção industrial são cada vez mais exigentes em aquisição de conhecimentos pelos trabalhadores, o poder tem que promover o ensino para todos os cidadãos por períodos de tempo cada vez mais longos para melhor se inserirem na produção industrial.
A generalização do ensino e o progressivo crescimento da massa de bens produzidos a partir do início da produção industrial de bens levaram ao crescimento significativo de camadas sociais instruídas com rendimentos provenientes do seu trabalho que as aproximam das que vivem de pequenas e médias actividades comerciais, industriais, agrícolas ou de rendas modestas.
As camadas sociais e económicas médias têm vindo assim a crescer e a ter cada vez maior peso demográfico e de influência na formação de opinião  e nas decisões políticas.
Cada partido, ao fazer propostas políticas ao seu eleitorado, formula-as de forma a serem entendidas como tendendo a beneficiá-lo a curto prazo, não podendo  deixar de ter em conta que as medidas que propõe sejam sustentáveis, isto é levem ao crescimento permanente anual da riqueza produzida no país (a não ser que a situação social e política seja de rotura, isto é revolucionária, que, nesse caso, a questão é de mudança de regime político). Estes objectivos são potencialmente antagónicos:  Se os partidos de esquerda propuserem aumentos de salários que inviabilizem a economia de significativo número de pequenas e médias empresas não substituíveis, sem roturas graves, por outras economicamente mais eficientes, e melhorias nas prestações sociais que levem a excessivo desequilíbrio das contas públicas, mesmo que ganhem com essa promessa táctica as eleições, irão levar o país a situação económica e financeira difícil com perda das eleições seguintes.
Os partidos de direita têm maior dificuldade em propor medidas tácticas do agrado  de quem os apoia, publicando-as, como  a redução dos impostos e dos encargos sociais para as grandes empresas e as maiores fortunas pessoais e a redução dos equilíbrios  dos contratos de trabalho garantidos por lei, que são percebidas pela larga maioria dos eleitores como contrárias aos seus interesses. Adoptam por isso publicamente discurso que apela ao desenvolvimento da economia  e à redução da despesa pública e, por canais de comunicação não públicos, tornam conhecidas das grandes empresas e das maiores fortunas pessoais as medidas políticas favorecedoras delas.
Assim à generalidade dos eleitores os partidos de direita apresentam-se enganadoramente como preocupados com o interesse geral e o desenvolvimento económico e apontam os partidos de esquerda como gastadores irresponsáveis.
Em Portugal, em consequência desta persistente prática política, os partidos de esquerda (PCP e BE), porque, fazendo as reivindicações de melhores salários e acrescidas prestações sociais, não as acompanham com propostas públicas potenciadoras do crescimento económico, não ganham os votos das camadas sociais médias cada vez mais instruídas e racionais, que tendem a preferir estabilidade política, social e económica.
Os partidos de direita, com o discurso político público de crescimento económico e de redução das despesas públicas e promessas não públicas de benefícios para as grandes empresas e as maiores fortunas pessoais, têm vindo, em Portugal, sempre que estão no poder, a tomar medidas desastrosas para o país. No governo da AD (transição da década de 1970 para a de 1980) arruinaram as finanças públicas levando o F.M.I. a intervir em Portugal. Nos dez anos de governo de Cavaco Silva em  que Portugal beneficiou de enormes ajudas da União Europeia para modernizar a economia, esbanjaram-se os muitos milhões para formação profissional, possibilitando negócios fraudulentos, com entrega de dinheiro às empresas em troca de promessas da formação profissional não cumpridas ou sem qualidade; não se reorganizou a função pública de modo a criar-se cultura de serviço aos cidadãos e a torná-la mais eficiente, com participação dos cidadãos utentes na qualificação por eles dos serviços que lhes são prestados; admitiu-se a criação de universidades privadas sem cuidar da  sua fiscalização eficiente; restringiu-se drasticamente a formação de médicos, cedendo aos interesses corporativos, o que levou à actual carência de clínicos no Serviço Nacional de Saúde; recrutou-se para o exercício do poder público gente que se revelou mais preocupada com os seus negócios pessoais, incluindo ilegítimos, que com o interesse público, como se revelou, entre outros casos, com a nebulosa de personalidades que criaram o BPN e o BPP e gravitaram à sua volta.
E, depois da queda do governo Guterres, após a década de 1990, os desastrosos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes  levaram de novo a grave desequilíbrio das contas públicas só recuperado no primeiro governo de Sócrates.
As propostas políticas eleitorais do Partido Socialista e a correspondente prática, embora esta frequentemente não corresponda ao prometido, têm sido mais equilibradas entre os objectivos de melhorar as condições dos que vivem do seu trabalho e dos que carecem de apoios sociais e os de estimular a produtividade e o crescimento sustentado da economia.
Por isso os cidadãos das camadas sociais e económicas médias têm mostrado maior confiança no Partido Socialista para governar quando tomam consciência de que os partidos de direita, tendo prometido governar ao serviço da sustentabilidade da economia e da justiça social, o fazem  com agenda escondida negociada em privado com as grandes empresas e as maiores fortunas do país, delapidando os recursos públicos a favor delas e das negociatas de número significativo dos que chamam ao poder.
Os partidos à esquerda do PS (o PCP e o BE), se quiserem vir a participar no governo do país em regime democrático, não podem fazer política como se fossem frentes sindicais. Um partido de esquerda que apresenta aos cidadãos programa de governo em tempo de normal funcionamento de regime democrático, a par de medidas políticas para melhorar as condições de vida dos que vivem principalmente do seu trabalho e para não deixar cair na exclusão os mais desfavorecidos que carecem de medidas de apoio, não pode deixar de propor acções que levem a desenvolvimento económico e social sustentável, nomeadamente medidas para o aumento da produtividade  sustentável e justa do trabalho e de combate à fraude e ao desperdício.
As camadas sociais intermédias (a chamada classe média) que beneficiam de rendimentos de trabalho um pouco melhores, tendo nível de instrução cada vez mais elevado, maior racionalidade nas decisões e estando a alargar-se, ponderam para as suas escolhas políticas as propostas para melhor justiça social sem deixar de ter em conta que, a prazo, elas não são exequíveis sem políticas que levem ao aumento da produtividade do trabalho e ao combate ao desperdício e à fraude.
Poderá contrapor-se que nem o PCP nem o BE querem chegar ao poder por via de eleições. O seu projecto será conquistar o poder por via revolucionária, isto é em período de rotura por convulsão social e política. Embora os acontecimentos futuros na vida dos povos não sejam previsíveis, que os passados sempre ocorreram surpreendentemente, o colapso dos regimes socialistas, filhos directos ou indirectos da Revolução Russa de 1917, minados por contradições internas nascidas da sua não democratização não permite prever que os regimes políticos democráticos actuais,  tendo em conta o contínuo aumento da riqueza geral gerado pela produção industrial, apesar do asfixiante controle que é feito pelo condicionamento da opinião pública pelos  grandes meios de comunicação social e pela fiscalização da vida dos cidadãos pela informação policial sobre as suas vidas baseada em poderosos e discretos meios tecnológicos de que muito poucos têm consciência, venham a cair a curto prazo  por revolução.
Poderiam esses partidos (o PCP e o BE) prestar melhor serviço aos cidadãos se, sem deixar de propor outro modelo de organização da sociedade, defendessem nas eleições a que concorrem medidas de correcção de injustiças sociais, apresentando também propostas para crescimento económico com aumento de produtividade e combate ao desperdício e à fraude. Isso poderia contribuir para possibilitar governos de entendimento ou coligação entre os partidos de esquerda e o de centro esquerda, que é o Partido Socialista, o que poderia contribuir para melhor livrar o país de novos desastres governativos dos governos de direita como os já ocorridos e será de esperar de governo do PSD de Passos Coelho, se ganhar a próxima  eleição legislativa que procura antecipar.            

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